A tecnologia está transformando o campo de batalha, com inteligência artificial e drones redefinindo estratégias militares e desafios éticos.
A Tecnologia e a Evolução da Guerra
Vivemos na era da aceleração tecnológica, conforme destaca Azeem Azhar. A revolução digital não apenas altera a vida cotidiana, mas também acelera transformações profundas na guerra. Nas últimas três décadas, o cenário militar passou por mudanças notáveis. Em 1991, durante a Guerra do Golfo, a maioria das munições não era guiada com precisão. Em 1999, drones eram utilizados apenas para reconhecimento no conflito do Kosovo, e, em 2011, a coleta de informações ainda era um desafio até mesmo para a OTAN na Líbia.
Atualmente, munições guiadas com precisão são amplamente empregadas, drones se tornaram ferramentas letais e novas tecnologias, como drones de visão em primeira pessoa, reduzem drasticamente o tempo entre a identificação e a eliminação de alvos. Com a proliferação de sensores avançados, esconder-se no campo de batalha é cada vez mais difícil, levando alguns analistas a apontar para a emergência de um “campo de batalha transparente”.
O Impacto da Inteligência Artificial
A inteligência artificial (IA) promete mudanças ainda mais disruptivas. No momento, a técnica predominante é o aprendizado profundo (deep learning), que se baseia em três pilares: processadores, dados e algoritmos. Otimizado para previsões, classificações e reconhecimento de padrões, o aprendizado profundo já transformou setores inteiros da economia, impulsionando gigantes como Google, Apple e Amazon. Agora, sua influência começa a se expandir para os conflitos armados.
Por décadas, algoritmos vêm sendo usados na defesa, desde a guerra submarina até os sistemas de defesa aérea. No entanto, a inteligência artificial moderna pode redefinir completamente a forma como os exércitos operam. Apesar de discussões sobre a proibição de armas letais autônomas – os chamados “robôs assassinos” –, conflitos recentes mostram que a artilharia convencional continua sendo mais eficaz e acessível para ataques em larga escala contra infraestruturas e populações civis. Assim, a IA deve ter um papel distinto do que muitos preveem no futuro da guerra.
Estudos de Caso
O Uso de IA pelo Exército dos EUA no Afeganistão
Perto do fim da missão americana no Afeganistão, as forças dos EUA recorreram à inteligência artificial para suprir a falta de capacidades de reconhecimento e monitoramento. O projeto Raven Sentry foi desenvolvido com apoio de especialistas internos e empresas do setor privado, criando um sistema para prever ataques do Talibã em distritos específicos. Com o tempo, a precisão do sistema aumentou, tornando-se operacionalmente útil.
Entretanto, sua implementação exigiu tempo, recursos e uma constante atualização de dados, além de conhecimento técnico especializado. O desfecho da ocupação americana foi inevitável, mas o desenvolvimento desse sistema oferece lições importantes para o futuro uso da IA em conflitos militares.
A Inteligência Artificial na Guerra da Ucrânia
Desde o início da invasão russa em 2022, a Ucrânia utilizou inteligência artificial para compensar sua inferioridade em reconhecimento, vigilância e poder de fogo. Diferentes sistemas de IA foram empregados para detectar movimentações inimigas, identificar alvos críticos na cadeia de suprimentos e otimizar o uso de munições, tanto para defesa aérea quanto para ataques terrestres.
O caso ucraniano reforça lições aprendidas no Afeganistão: acesso a dados e sensores atualizados é essencial, a expertise em IA é indispensável e o setor privado desempenha um papel-chave no fornecimento dessas tecnologias.
A grande diferença entre os dois casos está no impacto operacional da IA. No Afeganistão, a tecnologia foi usada para prever ataques; na Ucrânia, ela é empregada para guiar ataques. Isso levanta questões éticas, legais e estratégicas sobre o uso da força. Por exemplo, um sistema pode recomendar um ataque, mas líderes militares e políticos precisam avaliar se esse ataque revelaria capacidades de inteligência, forçaria o inimigo a mudar táticas ou traria repercussões diplomáticas negativas.
Israel e o Uso da IA na Guerra de Gaza
Israel tem sido um dos países que mais investem em inteligência artificial para fins militares. O sistema de defesa Iron Dome, por exemplo, utiliza IA para aumentar a precisão na interceptação de foguetes de curto alcance. Além disso, veículos terrestres israelenses são equipados com sistemas automatizados para identificar ameaças e ativar contra-medidas.
Na guerra em Gaza, Israel tem utilizado IA para otimizar o uso de munições (Fire Factory), selecionar atiradores (Fire Weaver), definir alvos (Gospel) e identificar combatentes (Lavender). No entanto, a tecnologia não é infalível. Os ataques de 7 de outubro de 2023 mostraram que falhas humanas, burocracia e pressões políticas podem superar qualquer sistema automatizado, por mais avançado que seja.
Além disso, a IA levanta questões críticas: quem define os critérios para classificar um combatente? Qual é o uso proporcional da força? À medida que as máquinas assumem mais responsabilidades, as decisões humanas se tornam ainda mais importantes. Israel conseguiu empregar a IA devido à sua vantagem tecnológica e acesso a especialistas, mas o impacto ético e legal do uso dessas ferramentas ainda está em debate.
Conclusão
A inteligência artificial não é barata, simples ou rápida de implementar. Todos os países que a adotaram precisaram investir tempo, recursos e conhecimento técnico. Além disso, a IA não é uma solução milagrosa. No Afeganistão, não impediu a retirada americana; na Ucrânia, não eliminou a desvantagem numérica frente à Rússia; em Israel, não garantiu uma vitória decisiva sobre o Hamas e o Hezbollah.
Por fim, a IA é um facilitador, não um substituto para mudanças estruturais nas forças armadas. Seu impacto depende da capacidade dos exércitos de se adaptarem a novas formas de organização, comando e tomada de decisão.