Uma série de mortes violentas ocorridas nos últimos meses causadas por disputas internas entre lideranças da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) tem mostrado que o grupo pode estar caminhando para uma inédita divisão. No entanto, apesar dos indícios do “racha”, a estrutura e a cultura criminal já criada pela facção estão consolidadas e deixam pouco espaço para o surgimento de um grupo concorrente.
A avaliação é do pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), escritor e jornalista Bruno Paes Manso, entrevistado pela Agência Brasil. “Parece que se produziu uma nova cultura da carreira criminal. E eu não sei se haveria espaço para um PCC do B, por exemplo, inventar uma nova estrutura, porque parece que é uma cultura criminal já consolidada no estado”, disse.
Contudo, o pesquisador faz uma ressalva sobre a dificuldade de fazer previsões precisas no mundo do crime: “é uma casca de banana, porque pode acontecer alguma coisa imprevisível e o castelo de cartas desmoronar. É sempre muito difícil você trabalhar com essa imprevisibilidade.”
Na entrevista, o estudioso, que pesquisa há mais de 20 anos temas ligados à violência, avaliou também a atuação da polícia paulista na Baixada Santista, nas operações Verão e Escudo, que resultaram, em 50 mortes de civis até o último dia 22, em supostos confrontos com agentes da corporação.
Na última segunda-feira (25), a Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo divulgou na última segunda-feira (25) um relatório em que denuncia 11 casos em que a Polícia Militar (PM) teria feito execuções na Baixada Santista.
Bruno Paes Manso é pesquisador do Núcleo de Estudo da Violência da USP (NEV-USP) e vencedor do Prêmio Jabuti em 2011, com o livro A República das Milícias. Ele também é autor de A Fé e o Fuzil: Crime e Religião no Brasil do século 21, publicado em 2023.
Confira trechos da entrevista exclusiva que o pesquisador Bruno Paes Manso concedeu à Agência Brasil.
Agência Brasil: Nos últimos meses, atritos envolvendo lideranças da principal facção criminosa do estado, o Primeiro Comando da Capital (PCC), tornaram-se públicos. Uma série de assassinatos tem ocorrido envolvendo membros da cúpula da facção. Você avalia que a divisão do grupo está se aproximando e, consequentemente, o fim da hegemonia que ele tem no mundo do crime em São Paulo?
Bruno Paes Manso: Eu acho que a estratégia do Ministério Público [de São Paulo], mandando os chefes do PCC para os presídios federais, era essa [tentar dividir o grupo]. Até inspirada nas estratégias italianas contra a máfia. Eles pensavam em isolar essas lideranças, como aconteceu por lá, para que, a partir do isolamento, houvesse esse racha, esse estremecimento entre as lideranças. Foi assim que os promotores na Itália conseguiram fragilizar a máfia, a partir das disputas internas dentro dela. E essa sempre foi a estratégia do Ministério Público.
Houve essas mortes envolvendo pessoas da cúpula. De fato, o Ministério Público tem mostrado esses dados, existe um abalo. [Há] três pessoas da liderança batendo de frente, em possível confronto com Marcola [Marcos Willians Herbas Camacho, apontado como uma das principais lideranças do PCC]. Isso vem acontecendo e esse fato tem se mostrado a partir dos indícios colhidos pelo Ministério Público.
Mas, por outro lado, nesses 30 anos do PCC na rua, ele já criou uma estrutura que muitas vezes acaba andando sozinha. A organização nas comunidades, dentro das prisões, ela, de alguma forma, é aceita e abraçada porque ela permite que os que participam dessa carreira criminal ganhem mais dinheiro, tenham menos confronto, e atuem de uma forma mais profissional no crime, que é o grande ganho que o PCC trouxe para a carreira criminal em São Paulo e, de alguma forma, no Brasil.
Então, é uma coisa que eu fico me perguntando: até que ponto o conflito entre alguns nomes vai abalar essa estrutura que está funcionando e está permitindo o crime ganhar mais dinheiro e ser muito mais lucrativo?
Essas mortes já estão acontecendo faz tempo, só que a estrutura burocrática e a forma de organizar o crime