A coleta de dados pessoais pelos estabelecimentos farmacêuticos está na mira do Ministério Público Federal (MPF). A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro abriu uma investigação para apurar a exigência do CPF dos clientes no momento das compras e a possível utilização indevida dessas informações. A suspeita é que esses dados estejam sendo armazenados e utilizados para a construção de bancos de dados comerciais, sendo posteriormente vendidos ou compartilhados sem o devido consentimento.
O inquérito, sob responsabilidade do procurador federal Júlio Araújo, já resultou na convocação de uma reunião entre a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Conselho Federal de Farmácias. O objetivo é discutir a legalidade dessa prática e sua conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que regula a coleta, o armazenamento e o compartilhamento de informações pessoais no Brasil.
Uso indevido de dados e impactos na privacidade
Há anos, órgãos de defesa do consumidor alertam para os riscos da coleta massiva de informações sensíveis sem transparência quanto ao seu destino. Em 2021, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) acionou a Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) para exigir esclarecimentos sobre a gestão desses dados. A prática de vincular descontos ao fornecimento do CPF é considerada abusiva, pois condiciona benefícios financeiros à cessão de informações pessoais.
Embora algumas farmácias aleguem que os dados são utilizados apenas para programas de fidelidade, a falta de clareza sobre o armazenamento e o compartilhamento das informações levanta preocupações. Em muitos casos, os consumidores não recebem explicações detalhadas sobre como seus dados serão tratados nem têm a opção de recusar a coleta sem prejuízo de benefícios.
Além disso, há o risco de perfis de consumo serem criados sem o conhecimento dos clientes, permitindo a segmentação para publicidade direcionada ou até a venda dessas informações para terceiros, o que pode representar violações à privacidade e ao direito à autodeterminação informativa.
O que diz a LGPD e quais são os direitos do consumidor?
A LGPD estabelece critérios rigorosos para a obtenção e o uso de dados pessoais, exigindo que empresas detalhem a finalidade da coleta e garantam transparência sobre o armazenamento e o compartilhamento dessas informações. Entre os principais direitos assegurados pela legislação, destacam-se:
- O direito de acessar e confirmar a existência do registro de dados pessoais;
- A possibilidade de corrigir informações incompletas, desatualizadas ou incorretas;
- A revogação do consentimento e a solicitação de exclusão dos dados, quando aplicável;
- O direito de se opor ao uso das informações quando a coleta ocorrer sem consentimento explícito;
- A exigência de que as empresas informem com quem os dados foram compartilhados;
- A necessidade de que o tratamento de dados seja adequado, proporcional e limitado à finalidade informada ao consumidor.
A LGPD também recomenda a elaboração de um relatório de impacto, no qual as empresas devem descrever os dados coletados, os mecanismos de segurança adotados e as estratégias para minimizar riscos à privacidade dos titulares.
Próximos passos da investigação
A investigação do MPF pode trazer desdobramentos relevantes para a regulamentação da coleta de dados em farmácias, estabelecendo diretrizes mais claras sobre a exigência de informações pessoais nesses estabelecimentos. Caso seja constatado o uso indevido dos CPFs dos consumidores, as redes farmacêuticas podem ser responsabilizadas e obrigadas a revisar suas políticas de privacidade e transparência.
A questão também reacende o debate sobre a necessidade de maior fiscalização na aplicação da LGPD e a implementação de medidas mais rigorosas para coibir abusos na coleta e no tratamento de dados pessoais. Para os consumidores, o caso reforça a importância de conhecer seus direitos e questionar práticas que possam comprometer sua privacidade.