Por Julia Braun, da BBC News Brasil em Londres
As inundações no Rio Grande do Sul são apenas o início de uma tragédia de grandes proporções, segundo o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Carlos Machado. Dedicado ao estudo da preparação e resposta a desastres, Machado destaca que as vítimas registradas até agora “são apenas a ponta do iceberg” dos impactos na saúde pública.
O Rio Grande do Sul enfrenta um dos maiores desastres climáticos de sua história, com mais de 151 mortos, 806 feridos e 108 desaparecidos. A situação deixou 538 mil desalojados e 76,5 mil em abrigos. Em Porto Alegre, a destruição de infraestruturas vitais e a interrupção de serviços básicos agravam ainda mais a crise.
Machado, que integra o Centro de Operações de Emergências para Situação de Chuvas Intensas e Inundações na Região Sul, explica que cada desastre tem características próprias, mas os registros iniciais de óbitos representam apenas uma fração do impacto total. “Quando pesquisadores investigam desastres e revisitam os registros anos depois, descobrem um número significativamente maior de óbitos e internações”, afirma.
Os estudos de Machado consideram toda a cadeia de danos provocados pelos desastres, que incluem desde doenças infecciosas como diarreia, hepatite A e leptospirose, até problemas crônicos de saúde como hipertensão e AVC. Em particular, os abrigos superlotados e mal ventilados elevam os riscos de doenças respiratórias e gastroenterites.
Nas primeiras horas e dias após uma enchente, os óbitos e internações decorrem principalmente de traumas agudos e operações de resgate. Semanas após, doenças transmissíveis começam a emergir com mais frequência. “Há um risco aumentado de gastroenterite pela forma como os alimentos são armazenados e manipulados, e de diarreia pela interrupção ou contaminação da rede de fornecimento de água”, explica Machado.
Além dos problemas de saúde física, os desastres também têm um impacto significativo na saúde mental. Aumento de casos de estresse pós-traumático, insônia, ansiedade, depressão e abuso de substâncias são comuns. A violência doméstica e os distúrbios comportamentais entre crianças e jovens também tendem a aumentar.
A resposta à tragédia inclui a instalação de hospitais de campanha e o envio de kits de emergência com medicamentos. O Ministério da Saúde já montou cinco unidades de hospitais de campanha no estado e disponibilizou 50 kits de emergência. O governador Eduardo Leite anunciou a liberação de aproximadamente R$ 70 milhões para a saúde e R$ 12 milhões para a infraestrutura dos abrigos.
Carlos Machado ressalta a importância de um planejamento preventivo e adaptativo para minimizar os impactos futuros. “Não podemos continuar a ter serviços de saúde em áreas vulneráveis sem adaptação para desastres frequentes”, conclui. Ele participa da elaboração do novo Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais, previsto para ser implantado em junho deste ano.
Fonte: BBC News Brasil