As Festas de São João, conhecidas por sua música vibrante, danças animadas e culinária rica, são uma parte essencial da cultura nordestina no Brasil. Contudo, suas raízes vão além das tradições europeias introduzidas pelos colonizadores. Essas celebrações também incorporam elementos de rituais indígenas antigos, especialmente dos povos que habitavam a região Nordeste antes da chegada dos portugueses.
Influência Indígena
Tradições Ancestrais:
Antes da chegada dos colonizadores, os povos indígenas do Nordeste, como os Kariri, Tarairiú e Tupi, já celebravam festividades no mês de junho. Essas comemorações estavam associadas ao surgimento das Plêiades, um grupo de estrelas da constelação de Touro, conhecido entre os Kariri como Batí (estrela). Essas estrelas, chamadas de sete-estrelo, sinalizavam um período de rituais que incluíam danças, cantos e agradecimentos pela colheita, especialmente de milho.
Registro Histórico:
O fotógrafo e cineasta indígena João Kariri explica que as Plêiades são fundamentais para a cosmovisão indígena. Quando essas estrelas reaparecem no céu em junho, os Kariri realizavam festas que envolviam ritos alimentares, de cura e de fartura, celebrando a volta do Maticai, ou o sete-estrelo.
Influência Europeia
Origem Pagã:
As festas juninas trazidas pelos europeus, em particular pelos portugueses, têm origens em celebrações pagãs relacionadas aos solstícios e às colheitas. Esses festivais foram posteriormente cristianizados. O professor Ângelo Antônio, da Universidade Federal da Paraíba, explica que o calendário pagão foi reapropriado pela Igreja Católica nos primeiros séculos do cristianismo.
Fusão Cultural
Milho na Alimentação:
O milho, um alimento central nas festividades de São João, já era uma parte importante da dieta indígena. Relatos históricos, como o de Roloux Baro em 1647, descrevem a abundância de milho e seu uso em alimentos e bebidas entre os indígenas do Rio Grande do Norte.
Música e Dança:
Elementos musicais e de dança das festas de São João também refletem essa fusão cultural. O baião, popularizado por Luiz Gonzaga, combina influências africanas e indígenas. As bandas cabaçais, tradicionais no interior do Nordeste, têm raízes nos Kariri e utilizam instrumentos como pifes e zabumbas, que têm uma longa história na região.
Banda Cabaçal:
O botânico inglês George Gardner registrou em 1838 a existência de bandas cabaçais na Chapada do Araripe, no Crato, Ceará. Estas bandas continuam a existir, transmitindo suas tradições de geração em geração, especialmente em áreas rurais habitadas por descendentes de indígenas.
Naldinho Braga, professor da Universidade Federal de Campina Grande, ressalta que embora as bandas cabaçais apresentem influências europeias, africanas e árabes, a presença de ritmos e toques indígenas é inegável. Essa mistura única reflete a rica tapeçaria cultural do Nordeste.
As festas de São João no Nordeste brasileiro são um exemplo brilhante de sincretismo cultural, combinando tradições indígenas, europeias e africanas. A celebração das Plêiades pelos povos indígenas, a adaptação das festas pagãs pelos colonizadores e a contínua influência musical e alimentar das culturas afro-indígenas fazem dessas festividades um verdadeiro patrimônio cultural. Elas não apenas preservam a história e as tradições, mas também continuam a evoluir, refletindo a diversidade e a resiliência do povo nordestino.
Fonte: G1 PB, adaptação