Relatório destaca uso da IA em campanhas eleitorais no primeiro turno, incluindo deepfakes e jingles, e aponta para sua expansão em 2026.
Um relatório elaborado pelo “Observatório IA Nas Eleições“, liderado pelo Data Privacy Brasil Research, Aláfia Lab e o Desinformante, identificou seis principais formas de uso da inteligência artificial no primeiro turno das eleições. Entre os usos mais notáveis estão vídeos gerados pelos próprios candidatos e materiais de campanha criados por IA, com destaque para aqueles que concorriam com recursos limitados.
Matheus Soares, pesquisador do Observatório, explica que o receio de um uso massivo da IA nas eleições não se concretizou, mas isso não significa que a tecnologia não foi utilizada. Segundo ele, o relatório demonstra que, embora o impacto tenha sido menor em relação a outras formas de desinformação, a IA foi aplicada por candidatos e eleitores: “Um dos pontos do relatório foi mostrar que, apesar de não ter sido usada em grande escala, essas tecnologias foram aplicadas tanto por candidatos quanto pelo eleitorado”.
Já Marco Aurelio Ruediger, diretor da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que, para as eleições presidenciais de 2026, o uso da IA será mais difundido, à medida que a tecnologia se integra melhor às campanhas eleitorais. Ele aponta que, em eleições majoritárias, como as presidenciais, o custo de oportunidade da IA tende a ser mais vantajoso, o que pode amplificar seu uso: “Em uma eleição presidencial, como já vimos em países como Argentina e Índia, o uso de IA tende a ser muito mais difundido”, avalia Ruediger.
Deepfakes e Desinformação no Primeiro Turno
Entre os exemplos de desinformação documentados pelo relatório, estão casos envolvendo deepfakes, onde imagens realistas são geradas por inteligência artificial. Em Manaus, um vídeo falso exibiu o apresentador William Bonner declarando apoio a um candidato a vereador. Esse tipo de manipulação, segundo o relatório, poderia ser replicado em outras regiões.
Casos semelhantes ocorreram em São Paulo, onde candidatos como Tabata Amaral (PSD) e Marina Helena (Novo) foram alvos de “deepnudes”, imagens alteradas por IA com teor sexual. A prática atingiu candidatas tanto em capitais quanto em cidades menores, como Taubaté e Bauru. Suéllen Rosim, prefeita reeleita em Bauru, também foi vítima dessa modalidade de ataque, o que reforça o uso da tecnologia para agravar a violência de gênero nas campanhas eleitorais.
De acordo com Laura Schertel, professora da Universidade de Brasília (UNB), os casos de deepnudes representam os exemplos mais preocupantes do uso da IA nesta eleição, e destaca a necessidade de uma regulamentação mais eficaz para conter os danos causados pela circulação desse tipo de conteúdo: “Ainda precisaremos de tempo para entender como a Justiça lidará com esses casos”, pontua.
Uso de IA Pelos Próprios Candidatos
Por outro lado, a inteligência artificial foi empregada também pelos próprios candidatos em suas campanhas. Em Salvador, o prefeito reeleito Bruno Reis (União) utilizou deepfakes de si mesmo, aparecendo dançando ao som de um jingle em ritmo de pagode baiano. Geraldo Júnior (MDB), seu adversário, usou IA para criar uma imagem de Salvador idealizada, sugerindo uma desconexão entre a realidade e o programa eleitoral de Reis.
Para os candidatos com menor capacidade de investimento, a IA se mostrou uma solução viável, especialmente na criação de jingles e peças de propaganda. Ferramentas como a Video AI, por exemplo, foram contratadas por mais de 60 campanhas, principalmente de vereadores de pequenas cidades. O custo médio desses serviços foi em torno de R$ 300, e o material gerado frequentemente adotou um formato genérico, que mencionava o nome do candidato e suas propostas em diferentes estilos musicais.
Chatbots e Aplicações Construtivas
Além dos usos negativos, a IA também desempenhou um papel construtivo em algumas campanhas. Candidatos como Pedro Markun (Rede), eleito suplente de vereador em São Paulo, e Bruno Engler (PL), candidato em Belo Horizonte, usaram chatbots para interagir com eleitores. Segundo a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o uso de chatbots é permitido, desde que seja claramente informado que o conteúdo foi gerado por IA e não simule candidatos ou pessoas reais.
Por fim, o relatório destaca o uso da IA para combater a desinformação, como no caso de um aplicativo lançado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Goiás em parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG), que utilizou a tecnologia para monitorar fake news nas redes sociais.
Olhando para 2026
O estudo do Observatório sugere que o uso de IA será ainda mais significativo nas próximas eleições presidenciais, em um contexto onde campanhas políticas e desinformação tendem a se intensificar com tecnologias cada vez mais sofisticadas.
Texto adaptado de O Globo pela nossa redação.