Nova estratégia comercial dos EUA desafia o Canadá e redesenha o cenário global
Desde o anúncio das amplas tarifas sobre importações canadenses pelo governo Trump, a principal pergunta que se impõe é: por quê?
A administração apresentou justificativas variadas, citando desde o tráfico de fentanil até a balança comercial e até sugestões para que o Canadá se torne o 51º estado dos EUA. No entanto, nenhuma dessas explicações parece realmente convincente.
Para os formuladores de políticas no Canadá que buscam entender a real motivação por trás dessas tarifas, um documento obscuro, mas relevante, publicado logo após as eleições de novembro pode oferecer respostas. Intitulado “Um guia para a reestruturação do sistema global de comércio”, o estudo traça um plano ambicioso para reformular os acordos comerciais globais usando tarifas como principal ferramenta. Seu autor, Stephen Miran, foi indicado como presidente do Conselho de Assessores Econômicos de Trump.
No documento, Miran argumenta que o sistema de Bretton Woods, que deu origem a instituições como o FMI e o Banco Mundial, tem sido usado contra os interesses dos EUA. Ele defende que tarifas e ajustes cambiais são essenciais para restaurar a competitividade da indústria americana e garantir a primazia econômica do país.
O plano de Trump
A estratégia do governo Trump para remodelar o comércio global segue um plano em duas fases.
Na primeira fase, as tarifas são introduzidas gradualmente para gerar receita, estimular a produção interna e fortalecer a posição dos EUA em negociações comerciais. Essa abordagem já foi testada nos embates comerciais com a China entre 2018 e 2019, sendo elogiada por Miran. Além disso, a administração acredita que a desvalorização da moeda nos países afetados ajudaria a compensar o impacto inflacionário das tarifas para os consumidores americanos.
A segunda fase envolve ajustes cambiais para corrigir os desequilíbrios comerciais, inspirando-se no Acordo da Praça, de 1985, quando os EUA, Japão, Alemanha, França e Reino Unido coordenaram a desvalorização do dólar para impulsionar as exportações americanas. Agora, Miran propõe uma abordagem unilateral—batizada informalmente de “Acordo de Mar-a-Lago”—onde tarifas e acordos de segurança seriam usados para pressionar parceiros comerciais a apoiar uma nova política cambial.
Essa abordagem tem um objetivo claro: fortalecer a indústria americana, reduzir a dependência de importações e controlar a inflação por meio de desregulamentação e redução dos custos energéticos. A administração também pretende usar a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA) para desencorajar a acumulação de reservas em dólares por países estrangeiros.
A teoria por trás dessa estratégia sugere que, ao impor tarifas e ajustes cambiais de forma coordenada, os EUA podem consolidar sua posição econômica e realocar cadeias produtivas longe da China, mantendo a estabilidade financeira. A aposta é que a força do mercado consumidor americano e sua influência no sistema financeiro global garantirão concessões de aliados e concorrentes, fortalecendo o poder comercial dos EUA.
A resposta do Canadá
O Canadá reagiu rapidamente, anunciando tarifas retaliatórias sobre mais de US$ 150 bilhões em produtos americanos. No entanto, para além de medidas simbólicas, o país precisa desenvolver uma estratégia comercial coerente que leve em conta a nova realidade imposta pelo governo Trump.
A abordagem do ex-presidente se baseia na disrupção e na negociação agressiva, como demonstrado recentemente em sua ameaça de tarifas de 25% contra a Colômbia, que resultou em concessões por parte do governo colombiano. O ex-assessor econômico da Casa Branca, Everett Eissenstate, já alertou que os princípios tradicionais do comércio global não se aplicam mais à política comercial dos EUA.
Isso significa que o Canadá deve ir além da retaliação imediata e entender que o governo Trump está redefinindo o comércio internacional como um jogo de barganhas, onde até mesmo aliados próximos são tratados como partes negociáveis.
As prioridades comerciais dos EUA não são um mistério. O relatório mais recente do Serviço de Pesquisa do Congresso (CRS) destacou seis disputas comerciais em curso entre EUA e Canadá:
- Imposto sobre serviços digitais
- Lei de Notícias Online
- Lei de Streaming Online
- Tarifas agrícolas e laticínios
- Regras de origem do setor automotivo
- Colaboração em minerais estratégicos
Além disso, disputas de longa data, como a questão da madeira serrada, continuam sendo fonte de tensão. A possível renegociação do Acordo Canadá-EUA-México (CUSMA) antes de 2026 adiciona ainda mais incerteza ao cenário.
O caminho para o Canadá
Diante desse novo contexto, o Canadá precisa equilibrar sua estratégia entre proteger seus interesses econômicos e evitar um confronto comercial prolongado. Alguns passos estratégicos incluem:
- Revisar políticas digitais: O Canadá deve evitar medidas comerciais que possam ser interpretadas como discriminatórias contra empresas americanas, especialmente com a crescente aliança entre o governo Trump e o Vale do Silício.
- Expandir acordos comerciais com a Europa e Ásia-Pacífico: Fortalecer relações dentro do CETA (União Europeia) e do CPTPP (Parceria Transpacífica) pode reduzir a dependência dos EUA e oferecer alternativas para resolver disputas comerciais.
- Posicionar concessões como vitórias para Trump: O presidente valoriza ganhos visíveis e acordos que ele possa vender como triunfos políticos. Por isso, propostas que beneficiem ambos os lados—como parcerias em minerais estratégicos para veículos elétricos—devem ser apresentadas como conquistas americanas.
Navegar nesse cenário exige clareza e antecipação. O primeiro passo é compreender a lógica por trás das tarifas e o plano mais amplo da administração Trump. O estudo de Stephen Miran oferece uma visão detalhada do caminho que os EUA pretendem seguir—e ignorá-lo pode custar caro ao Canadá.
Este texto é uma tradução e adaptação do artigo original publicado em The Hub, Canadá. Aconselhamos a leitura do original para um maior aprofundamento.
https://thehub.ca/2025/02/03/anil-wasif-trumps-tariffs-are-here-now-what