Em Porto Alegre, uma advogada grávida teve pedido de prioridade de fala negado durante sessão virtual do TRT-4, causando indignação e repercussão jurídica.
A lei que assegura prioridade de fala a advogadas gestantes durante sessões de julgamento, entre outros direitos, tem um nome e uma história. Julia Matos, homenageada pela Lei 13.363/2016, nasceu prematura com 29 semanas e passou 62 dias na UTI. A mãe de Julia, ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Daniela Teixeira, teve um parto prematuro após esperar oito horas para se manifestar em uma sessão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em recente episódio no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), em Porto Alegre, uma advogada grávida de oito meses, Marianne Bernardi, teve seu pedido de prioridade de fala negado em uma sessão virtual. O presidente da 8ª Turma, desembargador Luiz Alberto Vargas, argumentou que a lei não se aplicava a sessões virtuais e questionou a gravidez de Marianne, que precisou mostrar sua barriga para comprovar a condição. Marianne esperou cerca de sete horas para se manifestar no processo.
— Acompanhei entristecida esse episódio. Existe lei federal que deve ser cumprida, independente da opinião pessoal do desembargador. A lei foi promulgada exatamente para evitar que prevaleça a discricionariedade de magistrados sem mínima empatia e preocupação com a saúde da criança e da mãe — declarou a ministra Daniela Teixeira à Zero Hora.
O caso gerou grande repercussão, com manifestações de apoio a Marianne por parte de advogados, entidades e até desembargadores, pedindo reconsideração do presidente da 8ª Turma. A Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio Grande do Sul (OAB/RS), aprovou um desagravo público contra o desembargador, previsto para ocorrer na próxima quinta-feira (4), além de incluir seu nome no Cadastro Nacional de Violadores de Prerrogativas da advocacia.
A ministra Daniela Teixeira, que enfrentou situação semelhante e teve a filha Julia após uma espera de oito horas para sustentar oralmente em um tribunal, destacou a importância da lei:
— Nossa Constituição é a única do mundo que contempla o princípio de que a criança deve ser tratada como prioridade absoluta, inclusive no Poder Judiciário. A lei Julia Matos surgiu exatamente para externar esse princípio que já estava na Constituição e era desrespeitado no Judiciário. Lamentavelmente, um desembargador não conhece nem a Constituição, nem a lei.
Na tarde de domingo (30), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) anunciou a abertura de uma investigação disciplinar sobre a conduta do desembargador Luiz Alberto Vargas. A medida foi solicitada pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão.
— Pelo que exposto, os fatos veiculados se revestem de gravidade e autorizam a atuação desta Corregedoria Nacional de Justiça — disse Salomão em sua decisão.
O TRT-4 tem cinco dias para informar as providências tomadas sobre o caso. Em entrevista à Zero Hora, Vargas afirmou não ter violado prerrogativas legais e justificou seu indeferimento baseando-se em um “entendimento” da 8ª Turma sobre a inaplicabilidade da lei em sessões virtuais. Após o ocorrido, ele solicitou afastamento por 35 dias por motivo de saúde.
Daniela Teixeira, comemorando a recuperação de sua filha Julia, agora com 10 anos, reforça a necessidade de medidas concretas para evitar novos desrespeitos à lei:
— Punição do CNJ.