A noção de luz líquida, uma substância que não se enquadra perfeitamente como sólida, líquida, gasosa ou plasma, pode ser vista como o “quinto estado da matéria”.
Consegue imaginar um rio de luz, água a jorrar de lâmpadas partidas com a aparência de luz dourada? Pois bem, essa fantasia, embora quase saída da ficção, está surpreendentemente próxima de uma realidade que a ciência já começou a desvendar: a possibilidade de a luz se comportar “quase” como um líquido.
Em laboratórios de todo o mundo, os cientistas demonstraram que, em determinadas condições, a luz pode fluir como um rio, um fenómeno que está a abrir novas fronteiras entre a física e a tecnologia.
O QUE É A LUZ LÍQUIDA?
A luz líquida é um fenómeno fascinante que combina as propriedades da luz com as características dos fluidos. Imagine um tipo especial de matéria em que as partículas se movem juntas em perfeita sintonia, como se fossem uma só. Este fenómeno é conhecido como Condensado de Bose-Einstein (BEC). Normalmente, estes condensados são criados com átomos de gás a temperaturas extremamente baixas. No entanto, os cientistas descobriram como criá-los com partículas de luz.
A magia da luz líquida reside em partículas especiais chamadas polaritões, que têm a capacidade de se comportar como líquidos em determinadas condições. Para criar luz líquida, os cientistas colocam materiais muito finos entre espelhos super-reflectores e bombardeiam-nos com impulsos laser extremamente curtos. Desta forma, conseguem que os fotões se emparelhem e se movam em harmonia uns com os outros, formando um condensado de polaritões, também chamado luz líquida.
No entanto, o que é mais espantoso na luz líquida é a sua capacidade de fluir sem resistência. Ao contrário dos líquidos normais, que criam ondas e remoinhos devido à fricção, a luz líquida move-se sem perder energia e sem enfrentar obstáculos. Este comportamento é semelhante ao dos superfluidos, onde as partículas se movem de forma ordenada e sincronizada.
O fluxo de polaritões encontra um obstáculo em estados não superfluidos (em cima), mas não em estados superfluidos (em baixo).
UM CAMINHO PARA A DESCOBERTA
A descoberta da luz líquida é, sem dúvida, o resultado de décadas de investigação em física quântica e óptica. Tudo começou com o estudo dos condensados de Bose-Einstein na década de 1920 por Albert Einstein e Satyendra Nath Bose, um estado em que as partículas são arrefecidas a temperaturas próximas do zero absoluto. No entanto, o maior avanço no sentido da luz líquida ocorreu em 2017, quando uma equipa liderada por Daniele Sanvitto, do Instituto de Nanotecnologia CNR NANOTEC, em Itália, conseguiu produzir luz líquida à temperatura ambiente. Isto foi possível graças à utilização de uma película ultrafina de moléculas orgânicas entre dois espelhos altamente reflectores, que foi bombardeada com impulsos laser muito curtos.
Assim, a criação de polaritões nestas condições permitiu que os fotões se comportassem como um superfluido, fluindo sem fricção nem viscosidade. Foi de facto uma descoberta revolucionária, pois mostrou que a superfluidez, uma propriedade que até então só tinha sido observada em fluidos extremamente frios como o hélio líquido, era também possível num sistema de luz e matéria a temperaturas acessíveis. Esta descoberta abriu a porta a uma vasta gama de investigação sobre as propriedades da luz líquida e as suas possíveis aplicações tecnológicas.
No entanto, a colaboração internacional tem sido crucial ao longo do caminho. Equipas de instituições como a École Polytechnique de Montréal, no Canadá, e a Aalto University, na Finlândia, contribuíram significativamente para a compreensão deste fenómeno. As experiências e teorias desenvolvidas permitiram uma compreensão muito mais profunda do modo como os fotões podem formar um fluido quântico e lançaram as bases para futuras aplicações numa multiplicidade de domínios.
PARA ALÉM DO LABORATÓRIO
Portanto, na área de informática e eletrônica, a luz líquida pode viabilizar a criação de computadores ópticos muito mais velozes e eficazes que os atuais. Aproveitando as propriedades da superfluidez, tais dispositivos seriam capazes de transmitir informações sem dissipação de energia e sem o superaquecimento que restringe a eficiência dos sistemas eletrônicos tradicionais. Essa tecnologia não apenas impulsionaria a velocidade de processamento, mas também diminuiria drasticamente o consumo de energia, pavimentando o caminho para o surgimento de aparelhos mais sustentáveis e ecológicos.
No campo das telecomunicações e da fotônica, a luz líquida tem o potencial de revolucionar a maneira como transmitimos e processamos dados. Sistemas de comunicação que utilizam luz líquida podem oferecer uma capacidade de transmissão de informações significativamente maior e mais rápida, sem os problemas de dissipação de energia enfrentados pelas tecnologias atuais. Ademais, a habilidade dos polaritões de se moverem sem fricção pode aumentar a eficiência e a versatilidade dos dispositivos ópticos, possibilitando a criação de telas flexíveis e hologramas, assim como sensores avançados para uso médico e detecção química.
Fonte: Nacional Geographic