Madonna atrasou, é claro, mas não foi uma surpresa para muita gente. Havia alguma expectativa em torno deste show, por ser um encerramento especial da The Celebration Tour, com transmissão da TV Globo, que Madonna seguiria a previsão de ser iniciado às 21h45.
A norte-americana fez uso da do seu sangue de realeza (do pop), para os quais o tempo caminha em um ritmo próprio, e demorou o tempo que quis para chegar ao palco gigantesco montado em Copacabana, erguido a 2,4 metros do chão.
De preto, do pescoço ao chão, e uma auréola em torno da cabeça, Madonna surgiu enfim às 22h47, com 62 minutos de atraso. Elegante, queixo alto, ela inicia a performance com Nothing Really Matters, música do clássico álbum Ray of Light (1998), vencedor do Grammy. “Nada realmente importa, amor é tudo que precisamos”, canta Madonna.
O público, de 1,6 milhão de pessoas (segundo a Riotur), é claro, cantou, se esgoelou, impactado pela grandiosidade do espetáculo.
Everybody vem na sequência, como uma lembrança de uma Madonna de outrora, do ano de 1983, quando estreou com o álbum que levava seu nome. Energética, de batidas intensas e um refrão que convida a dançar, a música sobe a temperatura de Copacabana. “Tudo certo, Rio de Janeiro!”, gritou Madonna, antes de emendar Into the Groove.
“Finalmente, conseguimos! Chegamos! Obrigada por me esperarem. Estou tão feliz em estar aqui, não sei se vocês entendem isso.”
Em um longo momento de conversa com o público, Madonna brinca por não falar português, revisita sua chegada em Nova York, com um sonho de se tornar bailarina e detalha que fez o que precisou para subir na escada da música pop.
“São histórias pessoais, coisas que as pessoas não sabem”, ela diz. “Nessa vida, você precisa ser um pouco doida.”
“Sem um sonho, você não torna o possível, possível”, diz ela, como uma espécie de coach. “Lembrem-se do passado, do presente do que ainda vem. Se apeguem a tudo isso, esta bem?”
Depois dessa sequência, Madonna emendou a eletrizante Burning Up e Open Your Heart., o primeiro grande refrão cantado pelas milhares de pessoas em Copacabana.
Nada visto em Copacabana ainda se comparava à celebração e alta dose de energia de Holiday, e do momento emotivo de Live To Tell, quando os telões começam a exibir imagens de vítimas do vírus HIV, como Freddie Mercury, Cazuza e Renato Russo.
Desafiadora da igreja, da moral e dos bons costumes
A transformação realmente acontece quando segundo ato do show (de sete, no total) tem início. Madonna desafia a iconografia da igreja e celebra o amor em Like a Prayer, um dos hinos fundamentais da música pop.
Todo o cenário se transforma, enquanto as pessoas ainda enxugam as lágrimas da execução de Live To Tell, e pessoas encapuzadas da cabeça aos pés com simbolismos da igreja. Logo na sequência, inicia-se outro ato (o terceiro, não perca a conta), com Erotica.
A The Celebration Tour ressignifica a famosa performance sobre a cama em Erotica, porque agora Madonna não está sozinha, não é ela é deitar-se de camisola e, sim, uma dançarina mascarada apresentada pela artista como uma representação de si, de cada uma de suas fases.
É como se Madonna sobrevoasse o próprio passado, reencontrando-se com a sua história, seus momentos-chave, também momentos mais importantes para a música pop como a conhecemos.
Afinal, é playback ou não?
O tão falado playback se escancara ao vivo, principalmente porque quando fala ao microfone, a voz de Madonna surge diferente do que se ouve durante as músicas.
Não é necessariamente ruim ou problemático. Madonna nunca fez questão de se vangloriar de uma voz potente. Ela mesma disse, em Copacabana, que queria ser bailarina. A vida a levou para o palco – e a inadequação dela com o canto tradicional é um dos motores para Madonna ter se transformado em uma artista tão versátil e visionária.
Trata-se de um show pop puro, cristalino. Cada uma dessas músicas foi construída a partir de bases eletrônicas complexas para se reproduzir ao vivo. A ausência de uma banda, realmente, também é justificável. E definitivamente, não faz falta.
Vale ressaltar a presença de uma escola de samba, com músicos jovens e adolescentes, convocada para conectar La Isla Bonita e Music.
Participações de Anitta e Pabllo
A presença de Anitta era esperada, principalmente porque ela revelou, ao longo da semana, ter recusado o convite para participar do Met Gala, famosa festa em Nova York, para estar no Brasil no show da Madonna.
Havia alguma pequena expectativa de um dueto, já que as duas tem uma música juntas, com o sugestivo nome de Faz Gostoso, mas por sorte evitaram a música – que não é lá essas coisas. Anitta, então, subiu ao palco logo depois de Vogue para atuar como jurada de modelos que desfilaram em uma das três passarelas erguidas na areia do Rio.
Pabllo surgiu no palco, por sua vez, durante Music, quando a apresentação passara da metade. De camiseta da Seleção Brasileira de Futebol e shorts curto, Pabllo dançou com Madonna no chão, mas não dividiram o microfone.
O futuro é agora
A verdade é que Madonna é detentora de um catálogo de sucessos invejável. Quando chega o momento de Ray of Light, talvez o momento mais esperado, por ser parte da aclamação de Madonna como artista no fim dos anos 1990, toda a estética do show está no futuro.
Faz sentido. Madonna nunca habitou o mesmo tempo que nós. Esteve, como uma viajante temporal, entre passado e futuro, a frente das tendências.
“Ultima vez que vamos fazer isso. Vamos lá!”, diz Madonna, logo antes de “Bitch I’m Madonna”. Há um clima de fim de festa, mesmo.
Madonna, também feliz, dança uma última vez, diante de seus 1,5 milhão de súdito. Exibe a bandeira do Brasil, enquanto passa a desaparecer, para baixo do palco. “Boa noite, Rio”
Abertura com ‘Macetando’, funk e eletrônica
A apresentação do DJ Diplo, que subiu ao palco a partir das 20h15, dividiu opiniões.
O artista norte-americano, velho conhecido da música brasileira, preparou uma sequência de músicas feita para se encaixar no gosto do público que já se amontoava em frente ao palco montado em Copacabana.
Diplo optou por temas de música eletrônica intercalados com sucessos populares do Brasil, principalmente Macetando, de Ivete Sangalo com Ludmilla, maior sucesso do carnaval de 2024, e outros funks, de nomes como o carioca Renan da Penha.
A grande reclamação do set, encerrado às 21h20 surgiu pela alternância de volume, principalmente durante o refrão, para o público cantar junto – de certa forma, houve quem preferia ouvir a versão original, não a pessoa do lado.
MC no estilo de Maria Antonieta
Como de praxe, antes da chegada de Madonna, surgiu Bob, The Drag Queen, que trabalha como uma espécie de mestre de cerimônia, preparando o público antes do surgimento da rainha. Vestido de Maria Antonieta, a rainha consorte da França e esposa de Luis 16, com uma peruca alta enfeitada com uma pena enorme e branca e um vestido rosa.
Quem interpreta Bob é Christopher Delmar Caldwell, ator, músico, comediante e vencedor a oitava temporada do reality show RuPauls’s Drag Race.
“Isso é uma celebração”, gritou, com empolgação.
O final da The Celebration Tour
A ideia de Madonna foi trazer a turnê que celebra as quatro décadas de carreira – e a última, será? – como um recado: como se reafirmasse a própria importância, como uma das artistas mais significativas para o entendimento do que se conhece pop.
Trata-se do maior show da carreira de Madonna (e um dos maiores da história). É improvável que Madonna repita o feito de Rod Stewart, com mais de 4 milhões de pessoas, por conta na diferença de estrutura dos shows.
Ainda assim, tudo é superlativo. A estrutura do palco montado tem 821m², com três passarelas. The Celebration Tour cruzou 14 países em 80 shows. A apresentação, com 120 minutos de duração, é dividida em sete atos, com trocas de roupa, convidados e cenários (a saber, a produção separou 45 baús com roupas para trocas de figurino entre a Rainha do Pop e os dançarinos).
Fonte: artigo reproduzido da Isto É