Rio de Janeiro, 13 jul (Xinhua) — O desmatamento e as queimadas, aliados às mudanças climáticas, são algumas das causas da mudança no regime hidrológico dos rios amazônicos, que se tornou mais intensa nos últimos anos, causando inundações mais severas e secas em intervalos mais curtos, explicaram sexta-feira especialistas na 76ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
No evento, realizado em Belém (capital regional do Pará, norte do Brasil), os palestrantes deram como exemplo a seca histórica de 2023, que causou a maior queda no nível dos rios já registrada na região. No rio Negro, o nível das águas do porto de Manaus atingiu 14,75 metros, o menor nível já registrado desde o início da série histórica, em 1902.
Para Jochen Shöngart, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), apenas nas duas primeiras décadas do século 21 foram registradas nove enchentes graves, mesmo número registrado em todo o século passado.
Shöngart também observou que o aumento da amplitude das cheias e vazantes na Amazônia apresentou uma variação de 1,6 metro. Isto significa que os rios secam mais cedo do que o esperado ou vice-versa.
Essa mudança afeta especialmente as áreas florestais alagadas, com repercussões importantes nas atividades econômicas e nas populações ribeirinhas da Amazônia, que dependem desses recursos para sua sobrevivência.
“O curso das cheias, que tem a sua previsibilidade e regularidade, é o principal determinante dos processos geomorfológicos, dos ciclos biogeoquímicos, do crescimento da biota que se adaptou a este regime, mas também controla as interações biológicas nas áreas inundadas, e até mesmo as atividades econômicas das populações ribeirinhas, como a agricultura e a pesca”, explicou o pesquisador.
Ayan Fleischmann, pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, destacou que esse aumento do regime de secas e inundações severas tem impactado as áreas de várzea. Nos últimos anos, em 23% das áreas propensas a inundações do Baixo Amazonas, a duração do período de inundação aumentou mais de 50 dias por ano.
As secas também foram muito extremas. Durante a seca de 2023, o Lago Tefé, no Médio Solimões, no Amazonas, secou 75%, caindo quase 30 cm por dia. Outros lagos da região secaram 90%.
A seca extrema na Amazônia causou a morte de 209 botos nos lagos Tefé e Coaraci, devido à alta temperatura dos lagos. No dia 28 de setembro, 70 golfinhos morreram quando a temperatura da água atingiu 39,1°C.
“Isso é muito preocupante. Especialistas em mamíferos aquáticos dizem que se encontrarmos três carcaças de golfinhos em poucos dias já é um alerta. Se encontrarmos tantos, é uma tragédia. A morte de peixes em secas extremas é comum na Amazônia, mas a dos golfinhos é muito rara. Foi uma catástrofe sem precedentes”, lamentou o pesquisador.
Os estudos realizados pela Mamirauá, instituição vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), chegaram à conclusão de que os animais morreram de hipertermia, devido às altas temperaturas dos lagos. Medições feitas pelo instituto nos lagos da região mostraram que foram registradas temperaturas de 37°C em mais de 25 deles.
“O que aconteceu com o Lago Tefé e os botos foi que o lago secou muito, ficou muito raso. Como temos muita radiação solar, o lago esquentou com facilidade e isso gerou picos de temperatura de mais de 40 graus em toda a coluna d’água até 2 metros de profundidade e não havia abrigo térmico para os animais”, acrescentou Fleischmann.
Segundo ele, o cenário atual tem mostrado contraste, com mais precipitações no norte da Amazônia e menos no sul. Em parte, essa diferença nas chuvas é explicada pelo aumento do desmatamento, das queimadas e da implantação de grandes projetos, como hidrelétricas, no sul da Amazônia. A parte norte abriga as áreas mais preservadas.
Quanto menos árvores houver para realizar o processo de evapotranspiração, geração de vapor d’água na atmosfera, menor será o percentual de precipitação, com o consequente aumento da temperatura na região.
Para este ano, Fleischmann teme a possibilidade de outra seca grave, devido a um regime hidrológico inferior ao esperado. O monitoramento realizado pelo Serviço Geológico do Brasil, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), mostra que de 21 de maio a 19 de junho a bacia do rio Amazonas teve chuvas abaixo do esperado em grande parte da região.
Fleischmann enfatizou que, diante desse cenário, é preciso investir em ações para mitigar o sofrimento das populações da região. Em 2023, a seca isolou milhares de pessoas, que tiveram dificuldade de acesso a alimentos, medicamentos e, sobretudo, água potável.
“Esse é o paradoxo da Amazônia, tem muita água e muita gente com sede”, resumiu. “Precisamos criar urgentemente programas de acesso à água na Amazônia. Não é por estar na maior bacia hidrográfica do mundo, que a água é acessível para consumo humano”, alertou.