A nova atualização do ChatGPT, com modo de voz avançado, tem o potencial de mudar a interação entre humanos e IA, mas levanta preocupações sobre confiança excessiva.
Bloomberg Opinion — Dois anos após o lançamento do ChatGPT pela OpenAI, a interação com a inteligência artificial finalmente me surpreendeu de verdade. Até então, embora tivesse me divertido com as imagens criadas por IA e reconhecido o valor dos chatbots em sintetizar informações, sempre mantive uma dose de ceticismo, enxergando mais marketing do que substância. Ainda me parecia estar lidando com uma máquina, não com algo humano.
Essa percepção mudou quando experimentei a nova atualização do modo de voz avançado do ChatGPT, que começou a ser liberada para assinantes pagos. A OpenAI, esta semana, anunciou também que a ferramenta seria disponibilizada para empresas e desenvolvedores em seus próprios aplicativos. Com a capacidade de falar 50 idiomas com uma naturalidade impressionante, o potencial dessa tecnologia para transformar a forma como as pessoas se relacionam com IA é imenso, mas também inaugura uma nova fase de incerteza no mercado de trabalho global.
O que mais me surpreendeu foi a habilidade do ChatGPT em lidar com nuances culturais e línguas diversas, algo que outros aplicativos de tradução enfrentam dificuldades, especialmente com idiomas asiáticos. Embora tradutores de texto tenham melhorado ao longo dos anos, a fluidez do modo de voz ao alternar entre línguas foi extraordinária. Testei a ferramenta conversando em japonês, inclusive praticando o keigo, a forma honorífica mais complexa da língua. O sistema passou facilmente em um teste desafiador, reconhecendo a cor azul como sinal de “livre passagem” nos semáforos japoneses, algo que muitos tradutores falham em captar.
Outro momento marcante foi quando utilizei o ChatGPT para aprender mandarim. Ele me deu um feedback detalhado sobre a entonação dos meus tons, e um analista chinês classificou a experiência de prática com a ferramenta como “alucinante”. Pedi ainda que a IA conversasse em Pidgin havaiano, uma língua quase extinta que não ouvia desde a morte dos meus avós. A fluidez e precisão foram emocionantes.
Não fui a única a me impressionar. Fundadores de startups, como um empreendedor jamaicano, compartilharam vídeos nas redes sociais conversando com o ChatGPT em patois, o dialeto local. A viralização de vídeos no TikTok mostrando o aplicativo falando em Singlish e no inglês vernacular afro-americano ilustra como essa habilidade de imitar dialetos pode criar uma afinidade imediata entre os usuários e a IA.
Entretanto, existem potenciais consequências desse avanço. Um estudo publicado na Nature apontou que grandes modelos de linguagem podem gerar decisões racialmente enviesadas, associando dialetos específicos a resultados negativos em cenários de emprego e justiça criminal. A OpenAI também reconhece que há riscos de as pessoas criarem laços emocionais com o sistema, levando a uma confiança desequilibrada. O uso dessas vozes tão realistas – alimentadas por atores humanos – reforça essa possibilidade.
Por mais que a nova versão do ChatGPT rompa barreiras linguísticas e culturais, questões regulatórias limitam seu acesso em regiões como a União Europeia. Além disso, ainda há críticas sobre sua fluência em determinados dialetos. Apesar dos avanços, ocasionalmente recebo respostas que me fazem lembrar que, no fim das contas, é apenas um aplicativo. Isso gera preocupações sobre o impacto a longo prazo, caso as pessoas comecem a confundir IA com interações humanas genuínas.
Essa coluna reflete a opinião da autora e não necessariamente do conselho editorial da Bloomberg LP ou de seus proprietários.
Catherine Thorbecke é colunista da Bloomberg Opinion e especialista em tecnologia na Ásia. Já atuou como repórter de tecnologia para CNN e ABC News.
Texto adaptado de Bloomberg Opinion.