Forças da Rússia invadiram na madrugada desta sexta-feira (10) o norte da região de Kharkiv, na Ucrânia, obrigado a retirada dos civis de uma cidade e o envio de soldados de Kiev para evitar o rompimento das defesas na região, abrindo assim uma nova frente na guerra iniciada por Moscou em 2022.
Kharkiv já havia tido parte de seu território ocupado pelos russos, mas em setembro de 2022 um contra-ataque surpresa dos ucranianos expulsou os invasores.
Após o fracasso da contraofensiva de Kiev no ano passado, Moscou passou a pressionar novamente as fronteiras da região, avançando ao sul e a leste do território, que fica no norte da Ucrânia e faz fronteira com Belgorodo, na Rússia. Isso ocorria a partir das áreas ocupadas no Donbass, leste do país.
Por sua vez, Kiev usou a região como base de seus cada vez mais intensos ataques contra o sul russo, que passaram a ser quase diários neste ano, já que seus mísseis e artilharia têm alcance para atingir a capital homônima de Belgorodo.
O que ocorreu às 5h (23h de quinta em Brasília) foi diferente. Colunas blindadas russas, apoiadas por uma pesada barragem de artilharia, cruzaram a fronteira rumo ao sul. O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, disse que o movimento de tropas havia sido notado e houve tempo para se preparar.
“A Ucrânia os encontrou lá com brigadas e artilharia”, afirmou o líder em uma entrevista coletiva. O avanço, contudo, obrigou o esvaziamento de Vovtchansk, a 50 km de Belgorodo e a cerca de 5 km da fronteira, e o desvio de mais forças ucranianas para a região.
Segundo relatos disponíveis, os russos atacaram alvos a até 10 km da fronteira e criaram um saliente 1 km para dentro do território ucraniano. A situação é fluida, e tudo isso pode mudar: os invasores podem ir mais em frente, serem repelidos ou ficar onde estão.
O bombardeio de Vovtchansk matou ao menos dois civis na cidade e arredores, deixando também cinco feridos, segundo o governador regional Oleh Sinehubov, em post no Telegram. A cidade tinha 18 mil moradores antes da invasão.
A nova frente pode ter ao menos três significados. Primeiro, ser a tentativa de cumprimento da promessa feita por Vladimir Putin na noite de 17 de março, quando foi reeleito presidente pela quinta vez, de que poderia estabelecer uma zona tampão para proteger os civis do sul da Rússia.
Segundo, o ataque pode buscar estabelecer uma nova cabeça de ponte para um ataque a Kharkiv, a capital local. Analistas são unânimes sobre a Rússia não ter soldados suficientes para invadir e ocupar a cidade no momento, mas isso pode mudar. Fácil, não será: o local foi sitiado no começo da guerra, mas nunca caiu.
Por fim, a nova frente obrigará o envio imediato de forças de Kiev para a região, num momento em que escasseiam recursos humanos e materiais.
Desde que tomou em fevereiro a estratégica Avdiivka, em Donetsk, Putin tem feito avanços lentos mas consideráveis no leste do país, ocupando vilarejos todas as semanas.
Um ataque ao norte poderá drenar forças usadas para defender as outras áreas. Um analista militar russo, que pediu anonimato, disse à Folha que o mais provável é uma combinação dos três cenários acima.
Segundo ele, Moscou está utilizando uma antiga tática soviética de ataques múltiplos, na esperança de que o enfraquecimento gradual das defesas acabe por dar uma oportunidade de romper a frente em algum ponto.
Ele considera que tomar Kharkiv —que abrigava antes da guerra 1,5 milhão de habitantes e é a segunda maior cidade do país depois de Kiev— por vias militares diretas é inviável, mas que a cidade pode novamente ser cercada e bombardeada.
Enquanto isso, Zelenski espera que a ajuda militar americana, desbloqueada pelo Congresso no mês passado, enfim comece a chegar a seu país. Apesar dos valores astronômicos, R$ 300 bilhões ao todo, grande parte dos recursos é para recompra de munição já doada pelos EUA, e o envio de baterias antiaéreas e artilharia é demorado.
Também nesta sexta, a agência Reuters disse que os ucranianos esperam a chegada do primeiro caça americano F-16, doado pela Dinamarca, em junho ou julho. Eles foram prometidos no ano passado, mas o processo de treinamento e adaptação das aeronaves é lento.
Analistas têm dúvida acerca da diferença que esses caças farão em campo, mas Kiev crê que possa afastar mais as aeronaves russas, que têm usado de forma maciça “bombas burras” com kits que as tornam o que pode se chamar de inteligentes, planando rumo aos alvos.
Os avanços russos, de todo modo, ocorrem enquanto não chega o equipamento ocidental. Na véspera, Putin havia retomado a ameaça de uma guerra nuclear contra a Otan caso haja maior interferência externa no conflito —ele já prometeu escalar caso a França cumpra a promessa de enviar tropas a Kiev ou se mísseis britânicos atingirem solo russo.
Fonte: Reuters