Saúde

O cancelamento de um plano de saúde coletivo com menos de 30 beneficiários sem justificativa não possui validade legal.

Decisão integra documento de conselho ligado ao STJ e deve servir de parâmetro para futuras decisões judiciaisPlanos de saúde coletivos com menos de 30 beneficiários não podem ser cancelados unilateralmente e sem justificativa. Mesmo que exista uma cláusula contratual que permita esse tipo de rescisão, ela deve ser considerada inválida.

Essa é uma das 47 interpretações incluídas em um caderno publicado na última sexta-feira (30) pelo CJF (Conselho da Justiça Federal), que atua em conjunto com o STJ (Superior Tribunal de Justiça), e que pode orientar futuras decisões judiciais.

Denominados enunciados, eles foram aprovados em junho, após a análise de cinco comissões de trabalho lideradas por ministras e ministros do STJ. O objetivo é auxiliar na uniformização dos julgamentos de questões de saúde pública e privada.

No último ano, houve 234.111 ações judiciais contra os planos de saúde, representando um aumento de 25% em comparação a 2022, quando 176.298 processos foram iniciados, segundo o painel de Estatísticas Processuais do Direito à Saúde do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). O conselho investiga as causas desse crescimento.

Para Marina Paullelli, advogada do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), os enunciados desempenham um papel doutrinário significativo. “Frequentemente, servem de guia para o julgamento de processos e recursos. Mesmo não sendo obrigatórios, representam uma compreensão que já é adotada por juízes e juízas.”

Este ano, as rescisões unilaterais e sem justificativa, por exemplo, resultaram em um aumento de processos judiciais, reclamações em órgãos de defesa do consumidor e são o foco central de um pedido de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que está estagnado na Câmara dos Deputados.
Segundo o advogado Rafael Robba, especialista em direito da saúde, como a legislação não protege esse tipo de contrato, o enunciado (14) é crucial ao proibir a rescisão unilateral sem justificativa. “Por vezes, trata-se apenas de uma família no plano. Isso representa uma grande vulnerabilidade. São contratos coletivos, mas que podem ser interpretados como familiares.”

Como reportado pela Folha, neste ano, milhares de contratos coletivos foram cancelados, incluindo os de crianças e jovens com TEA (Transtorno do Espectro Autista), doenças raras e paralisia cerebral. Uma senhora de 102 anos chegou a receber uma notificação de cancelamento, que mais tarde foi anulada.

O enunciado 15 estabelece que funcionários aposentados ou demitidos que permanecem no plano da empresa [por terem contribuído por mais de dez anos] têm o direito de pagar o mesmo valor de mensalidade que os funcionários ativos.

Cuide-se

“Normalmente, enquanto o funcionário está empregado, ele contribui com um valor médio. Ao se aposentar, as operadoras passam a cobrar conforme a faixa etária, o que pode impedir a continuidade no plano devido ao aumento significativo do custo”, explica Robba.

O enunciado 16 assegura ao usuário o direito de realizar a portabilidade de carência, independentemente da modalidade do contrato do plano. De acordo com advogados, muitas operadoras dificultam a portabilidade de carências em novos planos empresariais, especialmente aqueles com menos de 30 beneficiários.

Os juízes também entendem, no enunciado 18, que é obrigação das operadoras demonstrarem de forma detalhada e por meio de documentação idônea todas as receitas e despesas que tiveram com os planos coletivos que justifiquem o reajuste por sinistralidade.

Frequentemente, as operadoras não fornecem a documentação necessária para que o Judiciário determine se o reajuste é devido ou não. Se a operadora não oferece justificativa, o aumento é considerado indevido, pois a responsabilidade é dela, conforme explica Robba.

Uma reportagem da Folha revelou que os juízes favorecem o consumidor em 60% dos processos judiciais que buscam a redução do reajuste em planos coletivos. A falta de transparência ou justificativa nos cálculos dos aumentos é a razão mais comum para isso.

Segundo Marina Paullelli, do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), apesar de os enunciados serem úteis em temas de grande impacto, seria ideal que o setor fosse mais regulamentado. “É crucial que a regulação progrida e que os custos da judicialização não sejam transferidos para o usuário.”

O projeto de lei sobre planos de saúde em discussão na Câmara dos Deputados aborda tanto os reajustes quanto as rescisões unilaterais. Para os reajustes, sugere-se um modelo baseado no porte das operadoras. Em relação às rescisões unilaterais feitas pela operadora, o projeto visa proibi-las, exceto em casos de fraude ou inadimplência.

A publicação do CJF também trouxe novos entendimentos referentes à saúde pública. O enunciado 30 diz que nas demandas judiciais para fornecimento de medicamentos oncológicos que ainda não estão incorporados ao SUS, é preciso que seja apresentado um relatório com a evolução clínica, com eventuais benefícios obtidos, assinado pelo médico do paciente.

O documento será utilizado para avaliar se a decisão judicial deve ser mantida. “Isso permite monitorar a evolução do paciente e controlar melhor os gastos”, afirma a juíza federal Ana Carolina Morozowski, do Paraná.

O enunciado 33 estabelece que, uma vez expirado o prazo para a oferta de um medicamento aprovado pelo Ministério da Saúde e recomendado pela Conitec [comissão responsável pela avaliação de novos medicamentos e tecnologias no SUS], não é admissível que o governo utilize a “reserva do possível” como justificativa para não fornecer o medicamento.

Nestes casos, a reserva do possível é um argumento usado para indicar a limitação de recursos orçamentários. Por exemplo, ao destinar uma grande quantia para um único indivíduo, outros podem ser prejudicados com menos recursos.
“A cada dia que passa, o Ministério da Saúde inclui mais tratamentos sem respeitar o prazo para torná-los acessíveis aos usuários”, comenta Morozowski.

Uma reportagem da Folha revelou que pelo menos oito medicamentos oncológicos de alto custo, que foram incorporados ao SUS, não estão sendo entregues aos pacientes porque o financiamento fornecido pelo Ministério da Saúde aos hospitais é insuficiente para cobrir os custos dessas novas medicações.

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