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Leci Brandão, a filha da zeladora que se tornou estrela do samba e deputada comunista

Aos 80 anos, Leci Brandão reflete sobre sua trajetória da pobreza ao estrelato no samba e à política, onde luta por igualdade e direitos das minorias.

Leci Brandão, uma das figuras mais marcantes do samba e da política brasileira, celebra 80 anos com uma trajetória única. A filha de uma zeladora que cresceu na periferia do Rio de Janeiro, Brandão superou desafios para se tornar uma cantora de samba socialmente consciente e, posteriormente, uma deputada estadual comunista em São Paulo.

Nascida em uma família de classe trabalhadora, Brandão foi a primeira mulher negra a ocupar um assento na Assembleia Legislativa de São Paulo por tanto tempo, sendo apenas a segunda mulher negra na história a alcançar tal feito. Sua carreira musical começou nos anos 1970, quando suas canções denunciavam o conservadorismo e as desigualdades sociais do Brasil, o que a colocou em confronto com a censura durante o regime militar.

Brandão nunca planejou entrar na política institucional, mas seu envolvimento progressista e ativismo social na música naturalmente abriram esse caminho. “Minha missão é tentar resolver os problemas das pessoas”, afirmou em uma visita recente à escola de samba Rosas de Ouro, em São Paulo. Desde 2011, ela é deputada estadual pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), cargo que, segundo ela, é uma extensão de sua arte.

Sua canção “Zé do Caroço”, de 1978, é um exemplo clássico de sua música politizada, contando a história de um líder comunitário que elevou a consciência política em uma favela. A música se tornou um hino de resistência, embora tenha sido lançada sete anos após sua composição devido à resistência de sua gravadora, que a considerava “pesada” demais.

Leci começou a compor por volta dos 21 anos, e sua primeira canção foi inspirada por uma desilusão amorosa. No entanto, sua música logo se inclinou para o samba e temas políticos, abordando questões como religiões afro-brasileiras, feminismo negro, liberdade de expressão e preservação da Amazônia. Ela enfrentou resistência dentro da indústria musical e, eventualmente, rompeu com sua gravadora Polygram em 1981, após repetidos conflitos sobre suas composições.

Além de sua luta por igualdade racial, Brandão também foi pioneira ao discutir a dignidade LGBTQ+. Em uma entrevista no final dos anos 1970, ela se assumiu gay, algo que chocou muitos na época. No entanto, ela encontrou apoio dentro da Mangueira, escola de samba da qual fazia parte, permanecendo como compositora mesmo após o preconceito que enfrentou.

Nos anos 2000, Brandão começou a se aproximar da política formal, atuando como conselheira de igualdade racial e direitos das mulheres no primeiro governo do ex-presidente Lula. Em 2010, ela foi eleita deputada estadual por São Paulo, onde construiu uma agenda que refletia temas já abordados em sua música, como cultura negra, igualdade de gênero e direitos LGBTQ+.

Seu início na política foi desafiador. Brandão lembra dos comentários pejorativos que ouviu, especialmente daqueles que não a levavam a sério por ser uma sambista. “Perguntavam como eram as rodas de samba no meu gabinete”, recorda ela, ressaltando o preconceito enfrentado.

Apesar das dificuldades, Brandão consolidou sua atuação política, focando em causas progressistas. Em março de 2024, ela foi a autora de um projeto de lei que reconheceu a cultura hip-hop como patrimônio imaterial do estado de São Paulo. “Os artistas de hip-hop têm uma sabedoria de abordar nossos problemas sociais de uma forma forte e bonita”, afirmou.

Brandão reflete sobre seu futuro com otimismo, desejando manter a saúde para continuar sua jornada na política e na música. Para ela, a justiça social é o elo que conecta o samba e a política. “Eu vou continuar lutando por igualdade e respeito”, declara. “Não sou uma celebridade. Eu me identifico como comunidade.”

Texto adaptado pela redação do artigo original em inglês de The Guardian.

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