Após 467 dias de intensos combates, quase 48 mil mortos e uma crise humanitária sem precedentes na Faixa de Gaza, Hamas e Israel chegaram a um acordo de cessar-fogo mediado por Catar, Estados Unidos e Egito. O anúncio, feito nesta quarta-feira (15) em Doha, marca a segunda tentativa de trégua desde o início da guerra, em outubro de 2023. O acordo, que entrará em vigor no próximo domingo (19), busca não apenas interromper as hostilidades, mas implementar medidas gradativas para alcançar um fim definitivo ao conflito.
Os termos do cessar-fogo
O acordo prevê ações em três fases, começando com a libertação gradual de reféns pelo Hamas, estimados em cerca de 100, em troca da liberação de mais de 1.000 prisioneiros palestinos detidos por Israel. Na primeira etapa, 33 reféns — incluindo mulheres, crianças, idosos e feridos — serão devolvidos. O Hamas afirma que este é um ganho estratégico, enquanto Israel insiste que a troca exclui membros do grupo diretamente envolvidos nos ataques de 7 de outubro de 2023, que marcaram o início da guerra.
Além disso, o acordo estipula a retirada progressiva das tropas israelenses de Gaza. Inicialmente, essas forças permanecerão ao longo da fronteira para proteger cidades israelenses próximas. No entanto, o controle sobre corredores estratégicos, como o de Filadélfia, na fronteira entre Gaza e Egito, será ajustado para permitir maior autonomia palestina sem comprometer a segurança de Israel. Paralelamente, a travessia de Rafah começará a operar gradualmente, permitindo o fluxo de ajuda humanitária e a saída de casos médicos urgentes.
A reconstrução de Gaza será um passo posterior e dependerá da estabilização inicial. A ONU e outras organizações internacionais têm insistido na ampliação da assistência humanitária ao território, que enfrenta níveis críticos de destruição e escassez de recursos básicos. Apesar das promessas de apoio, há incerteza sobre quem governará Gaza no longo prazo, dado o impasse entre o Hamas, a Autoridade Palestina e propostas de uma administração provisória mediada por aliados estrangeiros.
Os desafios da implementação
Embora o cessar-fogo seja um avanço significativo, sua implementação enfrenta obstáculos. A libertação de reféns e prisioneiros, por exemplo, é um processo complexo que depende de garantias de ambas as partes. Além disso, o corredor de Filadélfia, ponto de controvérsia durante as negociações, permanece uma área sensível devido ao histórico de contrabando de armas.
Outro desafio está na governança futura de Gaza. Enquanto Israel rejeita a possibilidade de o Hamas manter o controle, também não aceita a administração exclusiva da Autoridade Palestina, cuja influência é limitada. O vácuo de poder no território é uma questão delicada, e a comunidade internacional tem pressionado por soluções que incluam líderes locais ou organismos internacionais, como a ONU.
Impactos geopolíticos
O acordo ocorre em um momento de transição política nos Estados Unidos, com Donald Trump prestes a reassumir a presidência. Conhecido por sua retórica agressiva em relação ao Hamas, Trump já havia prometido um cessar-fogo durante sua gestão e participou indiretamente das negociações através de seu enviado ao Oriente Médio. Sua posse, marcada para 20 de janeiro, levanta dúvidas sobre a continuidade das políticas de Joe Biden na região, incluindo o apoio à reconstrução de Gaza e ao fortalecimento da Autoridade Palestina.
Na perspectiva regional, o cessar-fogo é visto como uma tentativa de reduzir as tensões crescentes no Oriente Médio, onde o conflito exacerbou divisões entre países árabes e consolidou alianças estratégicas. O papel do Catar como mediador reflete a importância da diplomacia regional, enquanto o Egito continua desempenhando um papel crucial como facilitador entre Israel e os palestinos.
A guerra em retrospectiva
O conflito, iniciado em 7 de outubro de 2023, quando o Hamas lançou um ataque surpresa ao sul de Israel, devastou Gaza, um território densamente povoado com 2,3 milhões de habitantes. A campanha militar de Israel, caracterizada por bombardeios intensos e incursões terrestres, deixou bairros inteiros em ruínas e provocou uma crise humanitária grave. A ONU relata que a maioria das vítimas em Gaza eram mulheres e crianças.
Israel, por sua vez, sofreu perdas significativas durante o conflito, com ataques do Hamas que atingiram áreas civis e militares. O governo de Benjamin Netanyahu enfrentou críticas internas e internacionais, incluindo acusações de crimes de guerra no Tribunal Penal Internacional e investigações da Corte Internacional de Justiça por suposto genocídio em Gaza.
O que vem a seguir
Apesar da esperança renovada, o cessar-fogo é apenas o início de um longo processo de reconstrução e pacificação. Questões fundamentais, como o retorno de deslocados internos em Gaza, o estabelecimento de um governo legítimo no território e a garantia de segurança para ambos os lados, continuam sem solução clara.
A comunidade internacional acompanhará de perto os próximos passos, buscando evitar o colapso do acordo e trabalhar para uma paz duradoura na região. Ainda que incerto, o cessar-fogo oferece uma rara oportunidade para encerrar um dos conflitos mais destrutivos dos últimos anos e aliviar o sofrimento de milhões de pessoas.