A filósofa americana Susan Neiman tem se surpreendido com a repercussão internacional de seu mais recente livro, A Esquerda Não é Woke, lançado em vários idiomas. A obra aborda a confusão entre o conceito de esquerda e o movimento woke, cuja origem remonta à expressão inglesa “woke”, derivada de “wake” (acordar), e que passou a simbolizar a atenção às injustiças sociais.
Em entrevista à BBC News Mundo, Neiman, que dirige o Einstein Forum na Alemanha desde 2000, afirmou que as ideias woke têm mais semelhanças com filosofias de direita do que se imagina e que essa mistura de conceitos contribuiu para a ascensão de líderes como Donald Trump.
A confusão entre esquerda e woke
Neiman relata que escreveu o livro após notar amigos, em diferentes países, questionarem sua posição política devido a declarações ou eventos associados ao movimento woke. Segundo ela, o woke se alimenta de sentimentos tradicionais da esquerda, como o apoio aos oprimidos, mas também incorpora pressupostos de direita, como a exaltação de identidades tribais e a centralidade da diversidade acima de outros valores.
“Diversidade é um bem, mas não o bem supremo”, argumenta. Para Neiman, contratar alguém apenas por pertencer a uma minoria pode ser ofensivo, tanto para mulheres quanto para pessoas não brancas. “Ser vítima não é, por si só, uma fonte de autoridade”, acrescenta.
O que define a esquerda?
A filósofa não tenta definir o woke, que considera incoerente, mas propõe princípios centrais que definem a esquerda moderna:
- Universalismo: Acreditar que conexões e responsabilidades não se limitam à “tribo” ou grupo de pertencimento, ao contrário do tribalismo que permeia o pensamento woke.
- Justiça, não apenas poder: A luta pela justiça deve ser separada da busca pelo poder.
- Progresso é possível: Embora não inevitável, a história oferece exemplos de avanços sociais que não devem ser ignorados. Negar o progresso pode levar ao desespero.
Neiman também alerta para a necessidade de frentes populares contra o crescimento do fascismo, mas destaca que os direitos sociais, como saúde, educação e moradia, são tão importantes quanto os direitos políticos na visão de esquerda.
O impacto global do debate
O livro de Neiman tem gerado discussões em países tão diversos quanto Brasil, Chile, Tailândia e Líbano. Ela vê semelhanças nos desafios enfrentados por governos progressistas, como os de Lula e Gabriel Boric, que precisam equilibrar coalizões políticas sem ceder a demandas woke que, segundo ela, desviam do foco em questões estruturais.
Como exemplo, Neiman critica debates sobre banheiros baseados em gênero, que considera “temas inventados” usados pela direita para dividir e enfraquecer movimentos progressistas. “A maioria das pessoas fecha a porta quando vai ao banheiro. Quem se importa?”, provoca.
Raízes históricas e perigos atuais
Para Neiman, o woke atual é uma evolução do “politicamente correto” dos anos 1990, que começou como uma expressão irônica entre socialistas e foi apropriado pela direita. Ela associa o fortalecimento desse movimento ao choque geracional causado pela transição de Barack Obama para Donald Trump.
A filósofa vê no woke uma ênfase exagerada em ações simbólicas em detrimento de mudanças reais. “Quando uma pessoa de 20 anos acha que mudar pronomes é fundamental, mesmo que nada mais mude, acho que ela tem 20 anos”, diz.
Por que esquerda e woke são incompatíveis
Para Neiman, o movimento woke abandona valores universais ao focar exclusivamente na identidade e no poder de grupos específicos, o que é contrário ao ideal de justiça da esquerda. Além disso, ela acredita que essa confusão afasta eleitores e fortalece a direita populista.
“Essa confusão é um presente para os ditadores, sejam eles de direita ou de esquerda”, afirma. A filósofa também critica líderes progressistas, como Joe Biden, por adotarem discursos identitários, que considera divisivos.
Um alerta para o futuro
Neiman conclui que o avanço do fascismo e do neofascismo exige que a esquerda recupere seus valores universais e seu compromisso com a justiça social. Para ela, confundir esquerda com woke é não apenas impreciso, mas perigoso para o futuro da democracia global.
Fonte: Adaptado de artigo publicado por Gerardo Lissardy, BBC News MundoPublicado em 17 de janeiro de 2025