Justiça valida decisão da USP, e cotista pode perder vaga em Direito
Tribunal paulista reconhece legitimidade da Comissão de Heteroidentificação da universidade; aluna havia entrado por cotas raciais e mantinha matrícula por decisão liminar
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu nesta quarta-feira (28) a favor da Universidade de São Paulo (USP) em uma disputa judicial envolvendo a matrícula de uma estudante cotista. A corte acolheu o recurso da instituição, validando a decisão da Comissão de Heteroidentificação que negou a autodeclaração racial de Rebecca Vieira de Souza, 23 anos, aprovada no vestibular de 2024 para uma vaga destinada a pessoas pretas e pardas.
Com isso, a jovem, atualmente no segundo ano da Faculdade de Direito da USP, pode ter sua matrícula cancelada nos próximos dias.
Disputa começou com recusa de matrícula
Rebecca foi aprovada no Enem-USP e obteve, inicialmente, o direito à matrícula por meio de liminar judicial, após a Comissão de Heteroidentificação da universidade — responsável por verificar se os candidatos que se autodeclaram pretos ou pardos possuem traços fenotípicos compatíveis — ter indeferido seu acesso pela cota racial.
Posteriormente, a estudante venceu em primeira instância e continuou frequentando o curso de Direito. A USP, no entanto, recorreu da sentença, alegando que a comissão havia agido dentro dos parâmetros legais ao avaliar o caso.
Decisão dividida no TJSP
O julgamento na segunda instância foi dividido. A desembargadora Cynthia Thomé, relatora do caso, votou a favor da USP e destacou que não cabe ao Judiciário reavaliar o fenótipo da candidata. Segundo ela, a Comissão de Heteroidentificação apresentou “fundamentação suficiente” para embasar sua decisão.
Dois outros magistrados, no entanto, votaram contra o recurso da universidade. Um deles, o desembargador Carlos Von Adamek, defendeu que Rebecca atendeu aos critérios exigidos pelas políticas afirmativas da USP. Ele citou, entre outros documentos apresentados pela defesa, um laudo antropológico descrevendo as características físicas da estudante e fotos que reforçariam sua autodeclaração racial.
Caso de racismo na infância foi apresentado no processo
Durante o julgamento, também foi mencionado um episódio ocorrido na infância de Rebecca, quando uma escola particular teria se recusado a aceitá-la por causa de sua cor. Segundo relato da secretária da instituição, a diretora da escola alegava não aceitar “criança escura”. A família precisou acionar a Justiça na época para garantir o direito à matrícula da menina — um processo que, segundo o juiz de primeira instância, corrobora sua autodeclaração atual.
Debate sobre cotas e critérios raciais
O caso reacende o debate sobre os limites e critérios das políticas de cotas raciais em universidades públicas. A Comissão de Heteroidentificação da USP segue o modelo recomendado por órgãos federais, que baseiam a análise na aparência física e não em documentos ou origem familiar.
Críticos desse modelo apontam que há subjetividade nas análises e risco de injustiças, especialmente em casos que envolvem pessoas com identidade racial ambígua ou que sofreram discriminação racial ao longo da vida, como é o caso de Rebecca. Já defensores da medida argumentam que o modelo evita fraudes no sistema de cotas, que tem como objetivo corrigir desigualdades históricas e promover a inclusão de pessoas negras no ensino superior.
Por ora, a decisão do TJSP representa uma vitória para a USP, mas ainda cabe recurso em instâncias superiores.
Com informações do UOL.