Pobreza cresce na França após corte de subsídios: famílias numerosas são as mais afetadas
Fim de auxílios emergenciais e aumento da precariedade entre autônomos explicam agravamento da situação social
Relatório recente do Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos da França (Insee) revelou um aumento preocupante da pobreza no país em 2023, com destaque para as famílias numerosas. A taxa de pobreza subiu 2,9 pontos percentuais, significativamente acima da média nacional, reforçando o alerta de diversas organizações sobre o agravamento das condições de vida dos mais vulneráveis.
“Uma em cada quatro pessoas em famílias numerosas vive abaixo da linha da pobreza”, destacou Michel Duée, especialista do Insee, ao comentar os dados. A situação expõe com clareza a dificuldade enfrentada por lares com vários filhos diante da retirada de mecanismos de proteção social criados durante a pandemia e a crise inflacionária de 2022.
Corte de auxílios afeta diretamente o poder de compra
Entre os principais fatores identificados para esse retrocesso social está o fim de auxílios excepcionais criados para conter os impactos econômicos da inflação. Em 2022, o governo francês havia adotado medidas como o bônus de volta às aulas e o subsídio contra a inflação, voltados para reforçar o poder de compra das famílias mais frágeis. Tais políticas foram encerradas em 2023, sem alternativas estruturais no lugar.
Além disso, o relatório observa um aumento expressivo na precarização dos trabalhadores independentes, especialmente entre os chamados “microempreendedores”, que operam sob regime simplificado, mas com rendimentos médios cada vez mais baixos. Essa categoria, que cresceu nos últimos anos na esteira do empreendedorismo digital e de plataformas, agora enfrenta dificuldades crescentes para garantir renda mínima.
Organizações sociais apontam agravamento da miséria
Entidades do terceiro setor vêm há anos alertando para um processo contínuo de empobrecimento das classes populares na França. Lotfi Ouanezar, CEO da associação Emmaüs Solidarité, resume de forma contundente: “A partir do dia 10, não é mais o fim do mês que é difícil, é o começo.”
A Emmaüs é uma das principais organizações voltadas para o atendimento a pessoas em situação de rua e pobreza extrema na França. Segundo Ouanezar, a demanda por ajuda alimentar tem crescido de forma tão acentuada que os estoques previstos para o mês já se esgotam nos primeiros dez dias, evidenciando o colapso do orçamento familiar de milhões de franceses.
Debate sobre justiça social volta ao centro das atenções
Com a aproximação das eleições legislativas e a ascensão de discursos radicais tanto à esquerda quanto à direita, a pobreza voltou ao centro do debate público francês. Enquanto parte da população exige o retorno de subsídios e políticas de transferência de renda mais robustas, outra parcela pressiona por redução dos gastos estatais e responsabiliza os imigrantes pelos déficits sociais.
Em meio ao impasse político, os números do Insee confirmam que a desigualdade social está se agravando em ritmo acelerado. Famílias numerosas, trabalhadores autônomos e beneficiários de programas sociais são os mais atingidos por um ciclo que mistura alta dos preços, precarização do trabalho e retração de políticas públicas.
Para organizações como a Emmaüs, a resposta não pode ser apenas emergencial, mas estrutural. Sem uma revisão profunda das políticas de inclusão econômica e redistribuição de renda, o risco de uma crise social mais ampla se torna cada vez mais iminente.
Traduzido e adaptado de RFI Brasil [MCP-OAI-20250708-1711-4OT]