Tarifas de Trump: Como a Paraíba será afetada e por que isso importa
Por Redação do Movimento PB
Cabedelo, abril de 2025. Ainda não eram sete da manhã quando o navio Chios Victory encostou no cais do Porto de Cabedelo, trazendo mais de 16 mil toneladas de trigo europeu. Poucas horas depois, o Cleareocean Melody descarregaria malte e combustíveis. Ao longo do mês, petcoke, álcool, diesel e gasolina também chegariam por ali, movimentando mais de 98 mil toneladas em abril — reflexo silencioso da posição da Paraíba no comércio internacional: importadora, dependente e periférica.

Esse cenário ganha novo significado com a escalada tarifária entre Brasil e Estados Unidos. A partir de 1º de agosto de 2025, entra em vigor a tarifa de 50% imposta pelo presidente Donald Trump sobre todos os produtos brasileiros. Para um estado de presença modesta na balança comercial, como a Paraíba, pode parecer pouco relevante. Mas isso seria ignorar os alertas de uma estrutura econômica ainda frágil — e a interdependência que define o comércio global.
O peso (ainda leve) da Paraíba
Segundo dados do Comex Stat, a Paraíba exportou US$ 79,6 milhões entre janeiro e junho de 2025, com destino a 68 países. No mesmo período, importou US$ 564 milhões, acumulando um déficit de US$ 484 milhões.
A pauta exportadora do estado é limitada: sucos de frutas, açúcar/melaço e calçados lideram. Os Estados Unidos foram o principal destino individual, com US$ 9,88 milhões, sendo US$ 6,8 milhões apenas em sucos. Já as importações vêm majoritariamente de EUA e China — petróleo, combustíveis, insumos químicos e produtos alimentícios.
O Porto de Cabedelo, por onde transita grande parte dessa movimentação, registra um fluxo constante de cargas, mas a Paraíba ainda responde por menos de 0,1% das exportações nacionais. Esse dado, por si só, explica por que um tarifaço de 50% dos EUA não gera reações alarmadas no estado — mas deveria.
O tarifaço de Trump e seus desdobramentos
No dia 9 de julho, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou uma nova rodada de tarifas contra o Brasil, elevando para 50% as alíquotas sobre todos os produtos brasileiros, a partir de 1º de agosto de 2025. A medida vem em resposta, segundo o próprio Trump, à “hostilidade judicial e política contra Jair Bolsonaro”, condenado em junho pelo STF, e à “injusta vantagem comercial brasileira”, segundo os termos da nota oficial da Casa Branca.
Na prática, trata-se de uma decisão combinando protecionismo econômico e retaliação política, inserida em uma estratégia mais ampla de Trump, que impôs tarifas similares a parceiros como União Europeia e México, e ainda mais duras à China.
O governo brasileiro respondeu com tarifas de reciprocidade, também de 50%, sobre importações americanas — e articula, via Mercosul, um esforço para compensar as perdas no fluxo bilateral.
Efeitos diretos e indiretos para a Paraíba
Na superfície, o impacto sobre a Paraíba parece limitado. Afinal, o estado exportou menos de US$ 10 milhões para os EUA no primeiro semestre — cifra pequena frente aos bilhões movimentados por São Paulo, Minas ou Rio Grande do Sul. Mas essa leitura ignora três fatores cruciais:
1. Fragilidade exportadora
A dependência de poucos produtos e mercados torna a Paraíba altamente vulnerável a qualquer mudança no ambiente externo. Se os sucos perderem competitividade nos EUA com a nova tarifa, empresas locais podem abandonar contratos, fechar turnos e demitir trabalhadores.
2. Efeito cadeia
Mesmo empresas que não exportam diretamente sentem os reflexos: menos produção, menos logística, menos serviços. Cabedelo, Campina Grande e cidades do entorno podem enfrentar retrações invisíveis, mas concretas.
3. Déficit estrutural
Com um déficit comercial que beira meio bilhão de dólares em seis meses, a Paraíba já opera em desvantagem. A tarifa amplia esse desequilíbrio ao reduzir a entrada de divisas e manter alta a necessidade de importações essenciais.
Os vizinhos reagem — e ensinam
Pernambuco, por exemplo, exportou US$ 956,4 milhões no mesmo semestre, mas tem exposição direta ao açúcar nos EUA. Estima-se que perderá até US$ 200 milhões/ano com as novas tarifas. Já o Rio Grande do Norte, com exportações para Europa e Ásia (especialmente frutas e óleo combustível), deve escapar com poucos danos — um reflexo de uma pauta mais diversificada e estratégica.
O contraste evidencia uma lição: quanto mais ampla e qualificada a inserção no mercado global, menor o risco em tempos de turbulência. A Paraíba, com sua pauta enxuta e déficit crônico, está na contramão.
Força no mercado e ambição no açúcar
Apesar das limitações, há setores que resistem — e projetam crescimento. O presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Fabricação do Álcool na Paraíba (Sindalcool-PB), Edmundo Barbosa, destacou que a meta do setor sucroenergético é ampliar em até dez vezes o volume de açúcar exportado pelo Porto de Cabedelo. “Nós temos todas as condições de ampliar, já que o Porto de Cabedelo não tem fila de espera para os navios atracarem. Estamos exatamente em busca de clientes e parceiros para que aconteçam as exportações principalmente através do porto, que é mais competitivo no caso das usinas aqui da Paraíba”, afirmou.
Segundo ele, Canadá e Estados Unidos foram os principais destinos do açúcar paraibano em 2023, e a expectativa é que o produto continue liderando as exportações. Somadas as vendas de açúcar e etanol, o setor movimentou US$ 77,1 milhões — o equivalente a 40% de tudo que o estado exportou, tornando-se o verdadeiro pilar da balança comercial estadual.
Ainda em outubro passado, o Porto de Cabedelo iniciou a exportação de 20 mil toneladas de açúcar, divididas em duas etapas. A projeção, conforme Barbosa, é alcançar 100 mil toneladas nos próximos anos, consolidando o porto como eixo logístico do setor.
Também o analista corporativo do Centro Internacional de Negócios da Paraíba (CIN-PB), Tainã Fernandes, avaliou com otimismo o desempenho recente: “A gente aumentou em 29% das exportações e 4,35% as importações. Em 2023, a Paraíba ganhou força no mercado internacional com os seus produtos, conquistando um espaço — ou talvez retomando um espaço — que foi perdido na pandemia”.
Uma falsa tranquilidade
Diante do baixo impacto direto do tarifaço, seria tentador dizer que a Paraíba escapou da crise. Mas essa ideia é perigosa. O fato de o estado ser pouco atingido não é sinal de força — é sintoma de irrelevância. E irrelevância comercial não protege: ela exclui, enfraquece e limita o futuro.
Ao contrário do que possa parecer, um tarifaço que atinge “pouco” o estado deve ser entendido como um alerta vermelho. Porque se o comércio global treme, e a Paraíba sequer sente, é porque não está firmemente conectada a ele.
Reflexão final: da margem para o centro
O Porto de Cabedelo seguirá operando. Os guindastes subirão contêineres, os estivadores marcarão horários, e navios como o Zhen Zhu Hai ou o Pacific Jasper continuarão chegando com combustíveis e insumos. Mas a economia estadual não pode depender apenas do que chega — precisa também aprender a fazer sair: produtos com valor, com marca, com destino.
Em um mundo em disputa, ser pequeno não pode significar ser passivo. A Paraíba precisa encarar sua posição modesta na balança comercial como ponto de partida, e não como justificativa para a inércia.
Porque, mesmo que o tarifaço de Trump não afete diretamente o estado, ignorar seu significado seria o maior erro. E reconhecer nossa participação pífia no cenário global é, paradoxalmente, o primeiro passo para começar a mudá-la.
Fontes pesquisadas: Com informações do Jornal A União, Comex Stat, Porto de Cabedelo, CNN Brasil e Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. [HGP-OPI-20250715-1137-4o]