Economia

O Descolamento Silencioso: Por Que Brasil e China Estão Abandonando a Dívida Americana

Os Números da Retirada

Por décadas, os títulos da dívida pública dos Estados Unidos, conhecidos como Treasuries, foram o porto seguro da economia global. Investir neles era sinônimo de segurança máxima. No entanto, um movimento silencioso e consistente está em curso, e ele envolve dois gigantes do mundo emergente: Brasil e China. Nos últimos 10 anos, ambos os países vêm reduzindo drasticamente sua participação no financiamento do governo americano, um sinal que vai além de meros ajustes financeiros e toca em questões de geopolítica e na reconfiguração do poder mundial.

O movimento da China é o mais dramático. Em 2014, o país asiático detinha 20,2% de toda a dívida americana em mãos estrangeiras. Uma década depois, em 2024, essa fatia despencou para 8,8%. Em valores nominais, a queda foi de US$ 1,24 trilhão para US$ 759 bilhões. O Brasil, em um movimento similar, reduziu sua participação de 4,2% para 2,3% no mesmo período. Embora em menor escala, a direção é a mesma, indicando um descolamento silencioso das nações do BRICS em relação ao tradicional centro financeiro global.

Diversificação Estratégica ou Cautela Geopolítica?

A explicação mais imediata para essa tendência, segundo especialistas como Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, é a busca por diversificação de investimentos. Com a recuperação e o fortalecimento de outros mercados, como o Japão e a Europa, manter uma concentração tão alta em ativos americanos tornou-se menos atrativo. É uma estratégia financeira prudente, que busca equilibrar riscos e retornos em um portfólio global.

Contudo, é impossível ignorar a camada geopolítica. Para a China, reduzir a dependência dos títulos americanos é uma manobra estratégica para se proteger de eventuais sanções e da pressão política de Washington. Para o Brasil, o movimento sinaliza uma maior autonomia em sua política externa e uma aposta na construção de um mundo mais multipolar. Não se trata de uma ruptura, mas de uma cautelosa redistribuição de confiança, diminuindo a exposição a um único ator global.

O Efeito Trump na Confiança Global

Um fator mais recente tem acelerado essa tendência: a instabilidade da política americana. A imposição de tarifas pelo presidente Donald Trump, o chamado “tarifaço”, e a volatilidade gerada por suas negociações comerciais minam o principal atrativo dos Treasuries: a previsibilidade. A segurança que antes era inquestionável hoje é relativizada por políticas protecionistas que podem abalar a maior economia do mundo a qualquer momento.

Essa incerteza, na prática, empurra os grandes investidores globais, incluindo bancos centrais de nações soberanas, a procurarem outros portos seguros. A mensagem é clara: se a própria política interna dos EUA gera risco, o prêmio por financiar sua dívida já não é tão vantajoso. O país que sempre foi a solução agora é visto, também, como uma fonte de instabilidade.

Os títulos do Tesouro americano, por muito tempo o símbolo máximo de segurança global, estão lentamente perdendo seu brilho. A atitude de Brasil e China não prenuncia um colapso iminente do dólar, mas sim a construção deliberada e estratégica de alternativas.

Redação do Movimento PB [GME-GOO-26072025-2107-15P]

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