Marcas Ocultas: A Surpreendente e Sutil Herança Holandesa na Paraíba
Quando se fala em “Brasil Holandês”, a imagem que surge é quase sempre a de Recife sob o governo de Maurício de Nassau: pontes, palácios e uma efervescência cultural e científica. Mas e na Paraíba? O que realmente ficou dos aproximadamente 20 anos, entre 1634 e 1654, em que nossa capitania foi rebatizada de Frederica? A resposta, segundo historiadores, revela uma herança muito mais sutil do que se imagina, encontrada menos nas pedras e mais nas palavras.
Um Domínio Focado no Lucro, Não no Legado
Para entender a discreta passagem holandesa por nossas terras, é preciso compreender seu principal objetivo. A Companhia das Índias Ocidentais (WIC) não veio para desenvolver a região, mas para extrair lucro com o açúcar. Conforme aponta o professor e mestre em História, Leandro Oliveira, a maior parte dos investimentos e da atenção administrativa era destinada a Pernambuco, sede do governo neerlandês.
As obras públicas realizadas na Paraíba refletiam essa mentalidade pragmática, focando quase exclusivamente na defesa militar e na melhoria da infraestrutura do porto, por onde as riquezas dos engenhos eram escoadas para a Europa. Não havia um projeto de desenvolvimento urbano ou cultural para a capitania paraibana, mas sim um plano de exploração econômica eficiente.
Ecos Quase Inaudíveis na Cultura e no Povo
A ausência de um projeto colonizador mais amplo resultou em uma influência cultural quase nula. A população local, em grande parte, manteve uma forte aversão aos holandeses, vistos como “pessoas que não acreditavam em Deus”, segundo o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP). Essa resistência passiva impediu que os costumes europeus criassem raízes.
A língua holandesa não deixou vestígios em nosso vocabulário, com uma única e curiosa exceção: o pão brote, cujo nome deriva da palavra holandesa “brute”. No campo religioso, o calvinismo foi rapidamente substituído pelo catolicismo com a retomada portuguesa. Geneticamente, o legado também é pequeno, pois os soldados e funcionários da WIC eram frequentemente realocados e evitavam se casar com os habitantes locais.
A Herança que Permanece: O Passado em Palavras
Se as marcas físicas e culturais são escassas, onde está a verdadeira herança holandesa na Paraíba? Segundo o pesquisador Ademilson José, ela se encontra em documentos de valor inestimável: os relatórios feitos por dois governadores holandeses que administraram a capitania.
O primeiro é a ‘Descrição Geral da Capitania da Paraíba’, de Elias Herckmans (1639), e o segundo é o ‘Relatório Sobre a Capitania da Paraíba’, de Servaes Carpentier (1635). Esses textos são um retrato detalhado da Paraíba do século XVII, descrevendo com minúcia a flora, a fauna, os costumes indígenas, os engenhos e a geografia local. São esses documentos, e não ruínas ou monumentos, os verdadeiros legados daquele período. Eles são uma janela para o nosso próprio passado, um tesouro de informações que permite aos paraibanos de hoje entenderem as fundações de seu estado através do olhar preciso, ainda que interessado, daqueles que um dia o governaram.
Da redação com informações de historiadores e pesquisadores locais
Redação do Movimento PB [GME-GOO-05082025-2222-15P]