Florinda Bolkan: a cearense que conquistou Veneza e se tornou lenda do cinema italiano
Muito antes de estrelas brasileiras brilharem no cenário internacional, uma nordestina de Uruburetama, no Ceará, já havia pavimentado um caminho de sucesso e reconhecimento na Europa. A história de Florinda Soares Bulcão, mais conhecida como Florinda Bolkan, é a de uma comissária de bordo da Varig que se transformou em uma das atrizes mais aclamadas do cinema italiano, conquistando prêmios e trabalhando com diretores lendários como Luchino Visconti e Vittorio De Sica. Sua trajetória, marcada pela disciplina e por uma presença dramática única, redefiniu o papel da atriz estrangeira na Itália e deixou uma marca indelével na história da sétima arte.

Nascida em 1941, Florinda cresceu entre Fortaleza e o Rio de Janeiro, aprendendo idiomas e aprimorando seu olhar sobre o mundo. Sua carreira na Varig abriu as portas para a Europa, e foi em Roma que sua vida mudou para sempre. Em 1968, ela foi apresentada ao renomado diretor Luchino Visconti, que imediatamente reconheceu em seu rosto uma beleza singular, fugindo dos padrões italianos da época. Em pouco tempo, ela saiu de pequenas participações para papéis centrais, vencendo a Targa d’Oro no David di Donatello por “Metti, una Sera a Cena” (1969) e dando início a uma carreira que seria uma verdadeira cartografia do cinema político, elegante e feroz da Itália.
De “Investigação sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita” ao Oscar
A filmografia de Florinda Bolkan é um testemunho de sua versatilidade e talento. Em “Indagine su un Cittadino al di Sopra di Ogni Sospetto” (1970), de Elio Petri, ela interpretou Augusta Terzi, a amante que se torna o detonador de uma história sobre poder e abuso de autoridade. O filme não apenas se tornou um clássico, mas também venceu o Oscar de melhor filme internacional, solidificando a posição de Bolkan como uma atriz de prestígio global. Sua capacidade de habitar personagens complexos, que se sustentavam mais na força do pensamento do que no gesto expansivo, tornou-se sua marca registrada.
Um dos encontros mais significativos de sua carreira foi com o diretor Vittorio De Sica, que a escalou para o papel principal em “Una Breve Vacanza” (1973). Como Clara, uma operária calabresa doente, Bolkan entregou uma performance tão impactante que a crítica americana a premiou com o prêmio de Melhor Atriz da LAFCA em 1975. De Sica, ao descrevê-la, disse que ela tinha “olhos de quem conheceu a fome”, uma frase que encapsula não apenas a profundidade de sua atuação, mas também uma ética de trabalho e de vida que a conectava visceralmente com seus personagens. A atriz cearense venceu o David di Donatello de Melhor Atriz duas vezes, um feito raro para uma estrangeira em um cinema tão zeloso de suas tradições.
“Os olhos de Florinda Bolkan revelam uma história de vida, uma disciplina rigorosa e uma firmeza que a permitiu se inventar em trânsito, levando o sotaque do sertão à delicadeza cabisbaixa de Veneza, e devolvendo ao cinema seu ofício primeiro: mostrar, sem barulho, onde a vida ainda arde.”
A vida de Florinda Bolkan se mistura à história do cinema e da sociedade europeia. Por duas décadas, ela foi companheira de Marina Cicogna, uma influente produtora de cinema que moldou sua carreira. Nos anos 80, ela se consolidou na televisão italiana com a série “La Piovra”, onde interpretou a condessa Olga Camastra, tornando-se uma figura popular em toda a Itália. Sua vida, longe de ser um conto de fadas, é uma narrativa de resiliência e constante reinvenção, que a levou de volta ao Ceará para dirigir seu primeiro filme, “Eu Não Conhecia Tururú”, um gesto de pacto com a terra que a formou.
Hoje, vivendo em Bracciano, perto de Roma, ela cuida de seu agriturismo, a Voltarina, onde a hospitalidade se torna uma extensão de sua arte. A história de Florinda Bolkan, a comissária de bordo que se tornou estrela, a nordestina que conquistou a Europa e, no auge da fama, escolheu a vida no campo e a paixão por sua origem, é um lembrete de que o talento e a autenticidade podem transcender fronteiras, provando que uma estrela não é apenas um brilho, mas uma forma de resistência.
Traduzido e adaptado de Revista Bula
Redação do Movimento PB [GME-GOO-11082025-0011-25F]