Documentário ‘O Evangelho da Revolução’ Reacende Debate sobre a Teologia da Libertação na América Latina
Editor Geral
Um novo documentário, intitulado “O Evangelho da Revolução”, do cineasta francês François-Xavier Drouet, emerge como um resgate histórico fundamental para compreender a Teologia da Libertação. O movimento, que marcou profundamente a América Latina, é revisitado em sua essência: a aproximação da Igreja Católica com as lutas populares e a defesa dos mais vulneráveis em um continente assolado por desigualdades e regimes autoritários.
Vozes de Resistência: De Romero a Câmara
O filme mergulha em episódios emblemáticos, como a perseguição religiosa em El Salvador no final dos anos 1970, quando o lema macabro “Seja patriota, mate um padre” ecoava em meio à miséria e à ditadura. Nesse cenário de opressão, a Igreja assumiu um papel central na defesa dos direitos humanos. O arcebispo de San Salvador, Dom Óscar Romero, conhecido como “porta-voz dos que não têm voz”, tornou-se um símbolo da resistência ao criticar a violência do regime. Seu assassinato em março de 1980, durante uma missa, é um dos pontos altos e mais dramáticos da narrativa documental.
No Brasil, a figura de Dom Hélder Câmara, arcebispo de Recife e Olinda, emerge como outro pilar da luta dos excluídos. Perseguido pelos generais da ditadura militar brasileira, Dom Hélder proferia frases que se tornaram icônicas, como: “Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que são pobres, chamam-me de comunista”. O documentário resgata uma entrevista à TV francesa em que o arcebispo se declara um revolucionário, mas sempre defendendo caminhos pacíficos, mesmo sendo silenciado pela imprensa da época.
A Igreja e as Lutas Sociais: Uma Análise Crítica
Drouet, que realizou entrevistas e pesquisou vasto material de arquivo no Brasil, México e Nicarágua, explora a participação da Igreja em movimentos sociais cruciais, como a luta pela terra e a criação do MST. O documentário não se furta a uma visão crítica, inclusive sobre o período petista no Brasil, que, apesar de ter raízes na esquerda católica, não teria promovido uma verdadeira reforma agrária. “Não houve uma verdadeira reforma agrária com o PT no poder. A esquerda não conseguiu corrigir as desigualdades, apesar de todas as esperanças depositadas nela”, aponta o filme.
Pensadores e Perseguições: O Legado e o Preço
A produção conta com depoimentos de importantes nomes da esquerda católica. Frei Betto, que enfrentou a ditadura e foi preso, reflete sobre a condição de todo cristão ser discípulo de um prisioneiro político. Leonardo Boff, por sua vez, recorda a perseguição que sofreu do Vaticano durante o pontificado de João Paulo II, quando foi condenado ao “silêncio obsequioso”.
O filme expõe a repressão implacável promovida pelo papa polonês contra bispos e cardeais identificados com movimentos de contestação. Uma das cenas mais marcantes mostra João Paulo II repreendendo publicamente o padre Ernesto Cardenal, então ministro da Cultura na Nicarágua sandinista, que mais tarde seria proibido de celebrar missas.
O Declínio e a Persistência de um Ideal
Sufocada pela Cúria Romana, a Teologia da Libertação viu sua influência encolher, abrindo espaço para o avanço das denominações evangélicas nas periferias do continente. O documentário encerra com uma reflexão do Padre Júlio Lancellotti, que, embora defenda a opção preferencial pelos pobres, reconhece o cenário adverso. “Neste sistema, nós vamos perder. Minha luta é a luta de um derrotado”, resigna-se o padre, encapsulando a complexidade e os desafios persistentes desse ideal.
“O Evangelho da Revolução” é, portanto, um convite à reflexão sobre a trajetória de um movimento que ousou sonhar com uma Igreja engajada, e sobre as forças que tentaram silenciá-lo, bem como seu legado na busca por justiça social.
Da redação do Movimento PB.