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Milhões de Americanos Enfrentam ‘Pobreza Repentina’ e Recorrem a Bancos de Alimentos para Sobreviver

Milhões de Americanos Enfrentam ‘Pobreza Repentina’ e Recorrem a Bancos de Alimentos para Sobreviver
Imagem criada por Inteligência Artificial a partir de prompt da redação.

A história de Ilona Biskup é um retrato contundente de uma realidade crescente nos Estados Unidos: milhões de cidadãos, que por décadas contribuíram para a sociedade e construíram um patrimônio, veem-se agora em uma inesperada situação de vulnerabilidade, dependendo de ajuda para não passar fome. Ilona, aos 62 anos, ex-comissária de bordo que acumulou economias para comprar um apartamento à beira-mar em Miami, sentiu vergonha ao visitar um banco de alimentos pela primeira vez. Como alguém que trabalhou e pagou impostos por 32 anos poderia precisar de comida gratuita?

A Realidade de Ilona Biskup: Da Carreira de Sucesso à Necessidade

Ilona Biskup, que fez carreira nas renomadas Pan Am e Delta Airlines, dedicou sua vida profissional a maximizar sua remuneração e garantir um futuro estável. Após um divórcio, ela encontrou refúgio e a oportunidade de recomeçar em Miami, comprando seu apartamento com vista para o mar. Sua renda mensal da previdência social, de US$ 2 mil (aproximadamente R$ 10,7 mil), a coloca oficialmente acima da linha de pobreza americana, fixada em US$ 15,65 mil anuais (cerca de R$ 7 mil por mês). No entanto, essa quantia é insuficiente para cobrir moradia, serviços e, crucialmente, alimentação.

O empobrecimento de Ilona não foi gradual, mas sim resultado de eventos catastróficos. Dois diagnósticos de câncer (mama em 2014 e pâncreas em 2019) esgotaram suas economias, mesmo com cobertura de seguro, devido a gastos inesperados e prolongados tratamentos. Em 2020, em meio à pandemia, ela aceitou a aposentadoria antecipada da Delta, aos 60 anos. Mais recentemente, há cerca de seis meses, veio o diagnóstico de Parkinson, agravando sua situação e aumentando a dependência de sua aposentadoria para custear despesas de saúde e cuidados.

Um Problema Estrutural Profundo nos Estados Unidos

A experiência de Ilona Biskup não é isolada, mas sim sintoma de um problema estrutural que afeta grande parte da população americana. O sociólogo Mark Rank, da Universidade Washington em San Luis, Missouri, revela que quase 60% dos adultos americanos viverão pelo menos um ano abaixo da linha da pobreza, e 75% experimentarão a pobreza ou uma situação de vulnerabilidade similar em algum momento de suas vidas. Rank aponta três caminhos principais para a pobreza: perda de emprego, emergências de saúde ou separação familiar.

Segundo o especialista, a combinação de uma rede de seguridade social fragilizada, que falha em impedir a queda para a pobreza, e a proliferação de empregos com baixa remuneração e sem subsídios, posiciona os EUA entre os países industrializados com os mais altos índices de pobreza. Pesquisas reforçam esse cenário: um estudo do Pew Research Center de maio de 2025 indicou que 27% dos americanos tiveram dificuldades para pagar assistência médica no último ano, e 20% recorreram a bancos de alimentos. Além disso, 68% dos adultos afro-americanos e 67% dos hispano-americanos, contra 44% dos brancos, não possuem fundo de reserva para emergências. Para idosos, a situação é ainda mais grave: o Conselho Nacional para o Envelhecimento (NCOA) revelou que idosos com menos recursos morrem, em média, nove anos antes daqueles com maior patrimônio.

Mark Rank critica a tendência americana de culpabilizar o indivíduo pela pobreza. “Se você é pobre, as pessoas se perguntam: por que não se esforçou o suficiente? O que você fez de errado?”, questiona. Essa mentalidade, segundo ele, desvia a atenção da injustiça social e econômica em um país tão rico.

O Papel Crucial do Programa SNAP e Seus Desafios

Para milhões de pessoas como Ilona, o Programa de Assistência Nutricional Suplementar (SNAP), equivalente ao Bolsa Família no Brasil, é vital. Com 42 milhões de beneficiários em todo o país, o SNAP oferece uma média mensal de US$ 187 (cerca de R$ 1 mil), embora Ilona receba US$ 225 (aproximadamente R$ 1,2 mil). Os critérios de elegibilidade incluem trabalhar 30 horas semanais, ser estudante, cuidador de pessoa com deficiência ou criança, ou ter limitações físicas/mentais, como é o caso de Ilona.

No entanto, a instabilidade política recente afetou diretamente esses programas. Durante um fechamento do governo federal de 43 dias, o mais longo da história, o governo ordenou a suspensão dos pagamentos do SNAP em novembro. Embora um juiz de Rhode Island tenha tentado reverter a medida, a Suprema Corte validou o congelamento, dias antes da reabertura do governo. Foi nesse contexto que Ilona Biskup, aguardando um novo depósito em seu cartão SNAP, buscou complementar sua alimentação no Feeding South Florida, onde pôde levar 10 produtos frescos e 10 enlatados ou embalados, escaneando cada item para garantir a qualidade nutricional, um hábito adquirido após suas lutas contra o câncer.

Bancos de Alimentos: Uma Rede de Apoio em Expansão

O Feeding South Florida, o maior banco de alimentos da região, tem sido uma linha de frente crucial. Paco Vélez, presidente da organização há 25 anos, testemunhou o aumento dramático na demanda, especialmente após a suspensão do SNAP. “As famílias têm medo e não sabem como irão pagar não só pela comida, mas por tudo”, relata Vélez. A situação é agravada pelo aumento dos preços dos alimentos, que subiram 2,7% nos 12 meses anteriores a setembro de 2025, com aumentos ainda maiores para produtos como café (18,9%), carne moída (12,9%) e banana (6,9%), influenciados por tarifas de importação e políticas migratórias, segundo o especialista em economia alimentar David Ortega.

O Feeding South Florida atende famílias de baixa renda, veteranos, mães e pais solteiros, e pessoas com deficiência, como Ilona. Nos condados do sul da Flórida, mais de 967 mil pessoas dependem dessa ajuda. Jessica Benites, chefe de pessoal, relata que a afluência diária de famílias dobrou de 40 para 120 durante o fechamento do governo. A organização é mantida por doações de produtores agrícolas, supermercados e diversas empresas, com cheques que variam de US$ 3 mil a US$ 380 mil, e uma vasta rede de voluntários que garantem a qualidade e organização dos produtos.

Resiliência e Adaptação Diante da Adversidade

Com os últimos depósitos do SNAP, Ilona Biskup tem feito compras em atacadistas, buscando maximizar o rendimento de sua ajuda. Ela também frequenta um centro comunitário em Miami Beach, onde almoça gratuitamente e pratica Tai Chi ou Qi Gong, buscando serenidade para lidar com a progressão do Parkinson. Ilona está determinada a lutar para manter a qualidade de vida pela qual sempre trabalhou, mesmo que isso signifique ajustar seus hábitos e rotinas.

“Este apartamento é o meu refúgio, o lugar onde me recuperei de câncer duas vezes e onde espero viver tudo o que o Parkinson irá trazer”, declara Ilona da sacada de seu apartamento. “Farei todo o possível para continuar vivendo perto do mar.” Sua história é um lembrete pungente das fragilidades inerentes a um sistema que, apesar de sua riqueza, expõe milhões de cidadãos a uma pobreza inesperada e devastadora.

Da redação do Movimento PB.

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