O ovo, a galinha e o algoritmo: quem está programando quem?
Por Paulo Santos
Vamos começar com uma provocação. O marketing, que em essência é uma ferramenta de distribuição e equalização de produtos, sempre suscitou uma dúvida cruel, muito semelhante ao clássico dilema: o que veio antes, o ovo ou a galinha? Durante décadas, nos perguntamos se a propaganda moldava a cabeça das pessoas ou se ela era apenas um reflexo do que a sociedade já pensava.
Hoje, o dilema permanece, mas o protagonista mudou e a dúvida cruel agora recai sobre o algoritmo.
Afinal, o algoritmo muda as pessoas ou as pessoas mudam o algoritmo? Ou será que o algoritmo se constrói a partir do que nós somos?
A minha resposta é que não se trata de uma via de mão única, mas de um processo retroalimentado. É uma relação circular: à medida que o sistema nos influencia com base no que sabe sobre nós ele altera o nosso comportamento. E essa mudança, por sua vez, ensina ao algoritmo que mudamos fazendo com que ele se adapte novamente num ciclo contínuo e vicioso.
O problema é que, nessa queda de braço, o lado mais fraco sempre perde. E o lado mais fraco somos nós.
Digo isso porque o ser humano é, biologicamente, um escravo da conveniência. O que esses grandes sistemas nos vendem não é apenas um produto, é a ausência de esforço. Tudo o que queremos é ter menos trabalho, pensar menos, evitar a fadiga mental. A tecnologia não controla o homem se ele não quiser; o problema é que nós queremos o conforto, e é aí que entregamos a vitória de bandeja.
Tomemos o caso do Pix. Ele surgiu como uma proposta irrecusável de facilidade. Aderimos em massa, fortalecemos o serviço e abandonamos o dinheiro físico. Agora que a dependência está criada, o sistema pode fazer o upgrade: surgem as taxas, os impostos, o custo da operação.
Nós vamos deixar de usar? Dificilmente. Jamais trocaremos a facilidade do digital pelo trabalho de sacar notas no caixa eletrônico.
O mesmo vale para as redes sociais e mensageiros. Ninguém voltará a escrever cartas ou usar apenas o telefone fixo, pois o conforto da falta de atrito nos seduziu a tal ponto que a alternativa analógica se tornou impensável.
Essa lógica nos leva à máxima que ecoa em cada canto da internet: não existe almoço grátis.
Quando recebemos um software maravilhoso “de graça”, é preciso lembrar que houve um custo imenso de desenvolvimento. As empresas investiram pesado para nos conhecer profundamente. Elas lançam a isca da gratuidade, nós mordemos, treinamos a ferramenta com nosso uso e, quando percebemos, estamos “vencidos”, viciados na solução que removeu nossas dores de cabeça.
Aparentemente, é uma relação ganha-ganha. Até descobrirmos a fatura.
Para usufruir dessa facilidade toda, estamos pagando um preço alto. E na maioria dos ecossistemas digitais a moeda corrente não é o dinheiro. O capital que se negocia hoje é a vida. O que entregamos em troca do conforto é a nossa informação e, acima de tudo, a nossa liberdade.
No fim das contas, a conveniência é a gaiola mais confortável que já inventaram.
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Paulo Santos é radialista graduado em designer gráfico e pós graduado em marketing digital. Escreve sobre cultura pop e tecnologia pessoal.
