Um estudo inédito da Folha, baseado em dados da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do SUS entre 2013 e 2023, revela um marco preocupante: pela primeira vez, os registros de ansiedade em crianças e jovens superam os de adultos no país.
A taxa de atendimento por transtorno de ansiedade em pacientes de 10 a 14 anos atingiu 125,8 a cada 100 mil, enquanto entre adolescentes de 15 a 19 anos, a taxa é ainda maior, com 157 casos a cada 100 mil. Em contraste, a taxa entre adultos acima de 20 anos é de 112,5 a cada 100 mil.
Especialistas apontam diversas causas para esse aumento, incluindo crises econômicas e climáticas, autodiagnósticos simplistas e o uso excessivo de tecnologias como celulares e jogos. A pandemia da Covid-19 também agravou o cenário, com a piora da saúde mental de crianças e jovens sendo mais severa do que o previsto em estudos anteriores.
As redes sociais, apesar de não serem a única causa, são frequentemente citadas como um fator que contribui para o aumento da ansiedade, especialmente entre os mais jovens.
Segundo a psicóloga Mayda Correia, é importante destacar a relação entre casos de suicídio em jovens com o uso exagerado de internet, aumentando a exposição a conteúdos problemáticos que intensificam a ansiedade e a depressão nessa faixa etária.
Mayda aponta que: “O uso excessivo de redes sociais é associado em diversos estudos como prejudicial para o desenvolvimento infantojuvenil, muitas vezes acarretando problemas cognitivos, sociais, emocionais e comportamentais. A ansiedade pode ser gerada, por exemplo, através de sentimentos autodepreciativos devido à constante comparação que as mídias sociais proporcionam as vidas cuidadosamente editadas e aparentemente perfeitas de outros usuários, ocasionando o medo do julgamento e a baixa autoestima. Além disso, a criação de uma vida social exclusivamente online, em detrimento de interações societárias tangíveis e o medo irracional de estar desconectado que muitos jovens sofrem podem acarretar uma ansiedade social”.
Essa tendência de piora nos indicadores de saúde mental coincide com a popularização dos smartphones e das redes sociais a partir da segunda década dos anos 2000. O livro “A Geração Ansiosa”, do psicólogo americano Jonathan Haidt, explora essa relação entre o uso excessivo de celulares e o aumento da ansiedade em jovens.
Dados adaptados de pesquisas internacionais para o contexto brasileiro pela Folha confirmam a tendência de piora nos indicadores de saúde mental também no país. Um dado alarmante é o aumento de 221% nos casos de suicídio entre meninas de 10 a 14 anos, de 2000 a 2021.
Outros indicadores preocupantes incluem a queda no senso de pertencimento escolar e o aumento da sensação de solidão entre os jovens. A incidência de depressão também cresceu em todas as faixas etárias entre 2013 e 2019.
Embora o aumento nos registros de transtornos mentais possa ser parcialmente atribuído a um maior acesso à informação e à redução do estigma em relação à saúde mental, especialistas alertam para o risco de superdiagnóstico e simplificação excessiva.
O impacto do uso de mídias sociais sem orientação adequada, combinado ao tempo de exposição às telas, também é apontado como um fator de risco para comportamentos de autoagressão, sintomas depressivos e de ansiedade, estresse, baixa satisfação com a vida e baixa autoestima.
Texto atualizado em 1 de junho de 2024, às 19h53.