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A era da ‘IA Cúmplice’: A culpa é sua e o perigo não é o que você imagina


Um estudo recente da Graphite, destacado pelo Brazil Journal*, revelou um dado alarmante: mais da metade dos artigos publicados atualmente na internet são gerados por AI. O salto, previsivelmente, ocorreu após o lançamento do ChatGPT. O artigo, no entanto, celebra o fato de o Brazil Journal (ainda) não tolerar “esse tipo de coisa”.

Por Paulo Santos

Muitos na imprensa resistem. Mas, como o próprio autor do artigo questiona ao final: “Até quando?”

A resistência é compreensível. O kit de sobrevivência do jornalista pré-internet era um calhamaço como o Aurélio e uma enciclopédia. Depois, o fiel escudeiro tornou-se um Microsoft Word atualizado, com um bom corretor ortográfico. Acontece que agora a coisa mudou de parâmetro.

De ferramenta a ‘cúmplice’

A chave virou. A Inteligência Artificial deixou de ser um assistente, uma máquina de escrever ou um super editor de texto. Ela se tornou uma ‘cúmplice’ do jornalista ou produtor de conteúdo.

Ela faz tudo que é possível fazer: pode pegar seu texto, sugerir melhor formatação, adotar regras gramaticais que você nem lembrava mais das aulas da universidade e, inclusive, preencher partes do seu texto com ideias que você não tem por falta de inspiração. Isso não é só uma ferramenta, é um processo de cumplicidade.

Embora o jornalista do artigo resista, a verdade é que hoje mais da metade dos textos publicados são feitos por IA. Isso é o fim do mundo para o jornalismo? Pelo contrário. Fazer jornalismo é contar histórias, e ninguém conta tão bem histórias sobre humanos quanto nós, humanos. Sempre haverá espaço para o contador de histórias. A IA é, na verdade, a possibilidade de transformar o jornalista em um “hiper-mega-super jornalista”.

O cérebro quer “evitar a fadiga”

Essa gritaria sobre a tecnologia substituir os humanos é antiga. Tomemos como referência o tempo em que inventaram o vinil. O cara que ouvia música num gramofone, que tinha que girar na manivela para tocar alguns minutos, basicamente sofria.

Mas aí surgiu o vinil, e o ser humano pôde colocar uma agulha num disco e rodar 12 faixas sem sair do canto, apreciando a música. Estava de boa agora? Quase. O cérebro, que vive para “evitar a fadiga”, logo reclamou: ainda era preciso levantar para virar o disco.

Começou o desejo: “Ah, se tivesse um jeito de mudar de faixa sem levantar… se desse para tocar mais de 12 faixas… se eu pudesse fazer playlists…”. Anos depois, esse desejo nos trouxe o MP3 player. “Vinil jamais!”, comemoraram muitos. Mas, com a solução, veio o novo pânico: E a pirataria? E o fim da indústria? O ciclo se repete.

O ser humano nunca está satisfeito. Mas ele vive à procura de um único objetivo, já dito pelo Carteiro Jaiminho, do Chaves: “Eu quero evitar a fadiga”. O cérebro é preguiçoso, ele não quer gastar energia. Quando nos deparamos com uma nova tecnologia resolutiva e facilitadora, nós nos rendemos plenamente.

Qualquer produtor de conteúdo, livro ou revista já deve ter sonhado: “Ah, se eu pudesse ter algo que fizesse tudo por mim, e eu só pudesse revisar, dar um ‘toque de chef'”. Cuidado com o que você pede. Você é responsável por isso.

O verdadeiro perigo: esquecer de imaginar

O artigo do Brazil Journal se sente satisfeito porque a redação deles ainda não cedeu aos “caprichos” da tecnologia e porque, segundo o estudo, os artigos gerados por IA “não apresentam bom desempenho nas buscas”. A humanidade, segundo eles, foi “salva pelo Google”.

Mas será o Google o grande senhor que evitará para sempre a produção em massa de textos de IA? Não. Logo a realidade será equalizada, como sempre. A máquina acaba ganhando porque, como já dito, nosso cérebro quer “evitar a fadiga”. O próprio Google eventualmente resolverá esse problema. A produção industrial de conteúdo não será freada pela resistência de alguns ao processo clássico de redação.

Pois eu digo: deixe a máquina ‘raciocinar’ por nós. Porque enquanto ela raciocina, nós pensamos, imaginamos, filosofamos e criamos.

O grande perigo dessa revolução, portanto, não é a capacidade de uma máquina fazer um texto completo por nós, talvez até tecnicamente melhor. A diferença de antes para hoje é crucial: quando a fita cassete rodava, você estava deitado, de olhos fechados, imaginando aquela música, se sentindo parte do enredo.

O perigo é que a facilidade nos faça esquecer de imaginar. A imaginação faz parte do processo cognitivo que nos faz crescer, evoluir, filosofar, inventar. É exatamente isso que a máquina não consegue fazer.

Este próprio texto é a prova dessa cumplicidade. Eu peguei o texto do Brazil Journal, abri o microfone do meu teclado e comecei a ditar um monte de coisas minhas, pessoais, o que eu penso, sobre este assunto. O que você lê é o meu pensamento. Só que a IA organizou de uma maneira que, com certeza, ficou tão bom quanto ficaria se eu perdesse um final de semana da minha vida para produzi-lo.

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Paulo Santos é radialista, graduado em designer gráfico, pós graduado em marketing digital, gestor de conteúdo no Movimento PB e escreve sobre tecnologia pessoal e cultura pop.

Da redação do Movimento PB [MNG-OOG-18102025-2121-4E5F6A1-V018]

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*Texto que motivou a produção deste artigo: https://braziljournal.com/mais-da-metade-dos-textos-na-internet-ja-sao-escritos-por-ai/