Cem anos de mecânica quântica e a Paraíba no centro da revolução

Por Percival Henriques
Em julho de 1925, um jovem alemão de 23 anos fugiu para uma ilha. Werner Heisenberg buscava alívio para sua alergia ao pólen. Encontrou algo maior. Na solidão de Heligoland, entre caminhadas e silêncio, ele destruiu o conceito de órbitas e reescreveu a física.
A mecânica quântica nasceu assim. Da curiosidade obstinada de jovens cientistas que não aceitavam as respostas prontas. Nenhum deles imaginava que sua teoria geraria o laser, o transistor, a ressonância magnética, o GPS. A ONU declarou 2025 o Ano Internacional das Ciências e Tecnologias Quânticas. É tempo de celebrar. E de agir.
A terra de Lynaldo Cavalcanti
É impossível falar da história da ciência e tecnologia no Brasil sem falar da Paraíba. Em 1954, quando os estados mais desenvolvidos ainda pensavam em criar estruturas sobre o assunto, Campina Grande já tinha a Fundac. O IBM 1130, terceiro mainframe instalado no Brasil, chegou ali em 1968.
E foi um paraibano de Campina Grande quem presidiu o CNPq entre 1980 e 1985. Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque criou o Laboratório Nacional de Radiação Síncrotron. Foi reitor da UFPB. Ajudou a interiorizar o ensino superior no Nordeste.
Essa herança não é memória. É DNA.
Uma década de luta
Em 2012, começamos a batalhar pela computação quântica na Paraíba. Entre 2013 e 2018, organizamos escolas quando o tema ainda soava como ficção científica. O secretário de Ciência e Tecnologia que nos apoiou naquele momento chamava-se João Azevêdo. Hoje ele é governador.
Um estado cujo ex-secretário de C&T se torna governador não é acidente. É consequência de uma cultura que valoriza conhecimento.
E ao lado do governador, desde o início dessa jornada, está Cláudio Furtado. Atual Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior. Cláudio não é apenas gestor. É combatente. Foram anos de articulação, missões internacionais, diálogo com o Governo Federal, negociação com a empresa chinesa CETC. O resultado veio em setembro: a Paraíba receberá o primeiro computador quântico do Brasil. R$ 75 milhões de investimento. Implantação prevista para o primeiro semestre de 2026.
Na última quinta-feira, o Governador e o Prefeito Cícero Lucena assinaram o termo de cessão da Estação das Artes para abrigar o CIQUANTA, o Centro Internacional de Computação Quântica. A assinatura é importante. Mas é consequência. O mérito pertence a quem batalhou por mais de uma década.
Soberania em tempos de restrição
Luiz Davidovich, professor emérito da UFRJ, escreveu artigo publicado na The Conversation Brasil lembrando algo crucial. Desde 2024, Estados Unidos, Canadá, países europeus, Coreia do Sul e Japão impõem restrições à exportação de componentes de computadores quânticos para países “não parceiros”. América Latina, Ásia e África estão fora.
O argumento oficial é segurança criptográfica. Mas os dispositivos atuais ainda são incipientes demais para representar risco real. A verdade é outra. Trata-se de limitar o avanço tecnológico em países que podem alterar o equilíbrio geopolítico.
A parceria Brasil-China não é escolha técnica. É decisão estratégica de soberania. O mesmo grupo CETC que nos fornece o radiotelescópio BINGO, no sertão paraibano, agora nos transfere tecnologia quântica. Com formação de pessoal especializado. Com capacidade de desenvolvermos nossos próprios computadores no futuro.
O Brasil entrará no seleto grupo de dez países no mundo a dominarem essa tecnologia.
Por que isso importa
A computação quântica vai revolucionar criptografia, descoberta de medicamentos, modelagem energética, inteligência artificial. O chip Willow da Google promete realizar tarefas que exigiriam mais tempo que a idade do universo em computadores clássicos. O investimento global em startups quânticas saltou de US$ 1,3 bilhão em 2023 para US$ 2 bilhões em 2024.
Se não estivermos presentes nessa fronteira, seremos consumidores de tecnologia alheia. Fomos assim com a revolução digital. Não podemos repetir o erro.
O Nordeste como protagonista
A ministra Luciana Santos disse algo que ecoa: não podemos aceitar um sistema de ciência e tecnologia que reproduz desigualdades históricas.
O CIQUANTA representa exatamente isso. Descentralizar a infraestrutura científica brasileira, historicamente concentrada no Sul e Sudeste. A Paraíba, com sua tradição em TI, Engenharia Elétrica e Física, a mesma terra que produziu Lynaldo Cavalcanti, não está pedindo favor. Está exercendo competência construída ao longo de sete décadas.
O centro em João pessoa terá área para visitação e fará parte do ecossistema de turismo científico junto com o Radiotelescópio BINGO em Aguiar, o Vale dos Dinossauros em Sousa, à Cidade da Astronomia em Carrapateiras. Jovens paraibanos poderão não apenas conhecer, mas trabalhar com tecnologia de fronteira.
O futuro começa agora
Heisenberg tinha 23 anos quando revolucionou a física. Schrödinger publicou sua formulação aos 38. Louis de Broglie propôs a dualidade onda-partícula em sua tese de doutorado.
A revolução quântica foi feita por jovens movidos pela curiosidade. O CIQUANTA precisa ser isso. Um espaço onde a próxima geração de cientistas brasileiros possa sonhar e realizar.
Cem anos depois de Heligoland, a Paraíba se prepara para escrever seu próprio capítulo na história da ciência. Eu, que com 14 anos já programava em Assembler e Fortran e, anos depois, vendi os primeiros microcomputadores na Paraíba, montei o primeiro curso para a população fora das universidades quando microinformática era novidade. Tenho o privilégio de testemunhar e participar dessa jornada quantica. Uma jornada que começou em 2012, ao lado de Cláudio Furtado e de tantos outros que acreditaram.
O quantum chegou ao Brasil. E dessa vez, não viemos para assistir.
Vida longa aos que aos que acreditam e realizam. Vida longa para Luciana Santos, João Azevedo e Claudio Furtado.
Percival Henriques Conselheiro do CGI.br | Presidente da ANID | Autor de “Direito à Realidade”
