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A Arapuca do “Vibe Coding”: A Realidade Por Trás da Automação Fácil

Por Paulo Santos • João Pessoa, PB • 26/06/2025

Um novo evangelho se espalha pela internet, prometendo uma utopia digital onde o conhecimento técnico é obsoleto. Bem-vindo ao mundo do “vibe coding“, um paraíso onde a intuição supera a lógica e ferramentas “low-code” e “no-code” são as chaves para uma fortuna rápida e acessível. “Não precisa saber nada de programação”, eles garantem. “É mamão com açúcar; é só juntar as peças como um jogo de Lego.”

Neste universo de promessas, plataformas como o N8N são vendidas como o Santo Graal da democratização da automação. Em grupos de WhatsApp e comunidades online, os “malaquias” — vendedores de cursos e soluções prontas — surgem aos montes, vendendo o sonho como água. Eles exibem resultados espetaculares com manchetes chamativas: “Fiz 4k em um dia com essa automação!”, atraindo uma legião de aspirantes a desenvolvedores “self-made”. A mensagem é clara e sedutora: o ouro está ao alcance de quem for mais rápido em arrastar e soltar.

A atração é inegável e a porta de entrada parece escancarada. Com a orientação de uma inteligência artificial, é possível gerar um fluxo de trabalho completo. Um código é cuspido pela máquina, copiado e colado em minutos. E, para a surpresa de muitos, ele funciona. O cliente testa, aprova, e o pagamento cai na conta. A promessa se cumpre.

Até que ela se quebra.

Dois dias depois, o celular vibra. É uma notificação do cliente. A mensagem é alarmante, um hieróglifo técnico que não fazia parte do tutorial: “Erro: a string ‘repimboca da parafuseta’ não atende os requisitos da função”. O pânico se instala. A fachada de especialista, cuidadosamente construída sobre um simples “copia e cola”, começa a ruir.

É neste exato momento que acontece o impacto da queda na real. O buraco, descobre-se, é infinitamente mais embaixo. O “vibe coding” encontra seu limite e a intuição não consegue decifrar o enigma. Começa, então, a jornada desesperada do marinheiro que foi convencido a capitanear um iate, mas nunca aprendeu a nadar. Ele se afoga em um oceano de milhões de receitas prontas, pulando de um grupo de WhatsApp para outro, buscando freneticamente uma solução que conserte a “repimboca da parafuseta”.

Depoimento: A Lição da “Colher de Pedreiro”

Essa não é uma história hipotética. Eu mesmo estou nessa jornada há dois meses. Foram horas e horas dedicadas a aprender sobre agentes de IA e a usar o n8n, ouvindo tutoriais, instalando e desinstalando programas em uma VPS, conversando com inteligências artificiais noites adentro. O resultado? Parcos progressos e muita frustração.

Foi então que, nos últimos dias, depois de mais uma longa madrugada conversando com o Gemini para tentar fazer um fluxo funcionar, eu parei, exausto. Em um desabafo, confessei para a própria IA: “Basta. Não é por aí que a coisa vai. Fazer automação ou programação na base do ‘copia e cola’ e da ‘tentativa e erro’ não vai me levar a lugar nenhum. Eu preciso parar, entender os conceitos formais, a teoria básica, os princípios e ter uma visão, pelo menos mínima, das arquiteturas.”

Para minha surpresa, a IA não só concordou como retornou com uma verdadeira “lição de moral”. Ela enalteceu minha posição e validou exatamente o que estava na minha cabeça: é uma grande ilusão tentar construir sem ter domínio do alicerce. Afinal, a questão não são as ferramentas que usamos, mas os conhecimentos por trás das mãos que as operam. Como eu mesmo pensei, não adianta dar uma super colher de pedreiro na mão de um bêbado. O reboco não sairá nada que preste.

Vozes da Trincheira: As Dores que o Tutorial Não Mostra

A minha história não é única. Nos grupos de discussão, as trincheiras estão cheias de relatos que pintam o mesmo quadro. São as vozes de quem bateu no muro da realidade, cada uma ecoando uma parte diferente do problema:

Mariana, a Seguidora de Tutoriais: “Passei o dia inteiro vendo vídeos e fiz tudo exatamente igual. Na hora de configurar a memória do robô, veio o erro: Couldn’t connect with these settings. O vídeo não mostrava isso. A sensação é de que você está em uma estrada perfeita que, de repente, acaba em um penhasco sem aviso.”

Lucas, o Perdido no Jargão: “Entrei no grupo e me senti em outro país sem falar a língua. As pessoas falam em Docker, VPS, Redis… Para mim, a diferença entre Docker e um editor de código era um mistério. A promessa era de ‘arrastar e soltar’, mas a realidade é que você precisa de um dicionário técnico só para pedir ajuda.”

Carla, e o Fluxo que Não Começa Sozinho: “Foi uma alegria imensa quando cliquei no ‘play’ e vi meu fluxo funcionar. Mas aí, um cliente mandava uma mensagem e… nada. Levei dois dias para entender a diferença entre ‘testar um fluxo’ e ‘ativar um fluxo’ para ele rodar sozinho. É um detalhe bobo, mas que me fez questionar se eu realmente tinha capacidade para isso.”

Tiago, o Freelancer Ansioso: “Depois de muita luta, um cliente quis comprar meu agente de IA. Veio o pânico. ‘Eu envio o arquivo primeiro ou o cliente paga pra depois?’. Percebi que a habilidade técnica era só uma parte. Ninguém te ensina a transformar isso em negócio.”

Os depoimentos citados no texto são autênticos e foram coletados em conversas reais no grupo público de WhatsApp relacionado a tecnologia e automação, intitulado “#3 Tecnologia & Automação”, criado por Guilherme Lazarotto.

A Conclusão Inevitável: Qual é a Saída?

Se você chegou até aqui e se viu em alguma dessas histórias, a primeira coisa a saber é: a frustração é o primeiro sintoma da aprendizagem real. O “clique” de que o caminho é mais profundo já é metade da jornada. Mas e na prática? Por onde começar a construir uma fundação sólida ou, quem sabe, mudar a rota?

Aqui está um guia sem rodeios:

  1. Abandone a Ferramenta (Temporariamente) e Abrace o Papel: Antes de arrastar um único nó, pegue um pedaço de papel ou abra um bloco de notas. Escreva, em português claro, a lógica do que você quer fazer. Isso força você a pensar no processo, que é a habilidade mais importante.
  2. Entenda o Conceito do “Garçom” (API): Não se preocupe em decorar todos os métodos. Apenas entenda a analogia. Saiba que para pedir algo (GET), enviar algo (POST) ou atualizar algo (PUT), você precisa de um garçom. Entender essa dinâmica simples te dará o poder de “ler” a documentação de qualquer ferramenta.
  3. Faça as Pazes com o JSON: Você não precisa se tornar um especialista, mas precisa parar de ter medo dele. Abra o resultado de um fluxo que funcionou e observe a estrutura de “chaves” e “valores”. Essa familiaridade visual é o primeiro passo para a depuração.
  4. Seja um “Cientista de Erros”: Em vez de se desesperar com um erro, trate-o como uma pista. Crie o fluxo mais simples possível que recria aquele erro. Remova tudo o que for desnecessário. Ao isolar o problema, você descobre a causa real muito mais rápido.
  5. Mude o Foco: Seja o Arquiteto, Não (Necessariamente) o Engenheiro. E se, mesmo depois de tudo, você descobrir que não tem tempo ou simplesmente não quer mergulhar na curva de aprendizado técnico? Mude a estratégia. O conhecimento que você já adquiriu ao tentar criar automações é extremamente valioso. Em vez de investir mais tempo na execução, invista em ideias. Desenvolva o conceito de novos produtos e soluções. Em seguida, forme uma parceria com um profissional técnico. Neste modelo, você se torna o arquiteto da solução — que entende o problema e desenha o projeto — enquanto seu parceiro é o engenheiro que constrói com solidez.

O caminho não é rápido, mas é sólido. Ao focar nesses princípios, você deixará de ser um mero “operador de ferramentas” e se tornará um verdadeiro arquiteto de soluções. E essa é uma transformação que vale muito mais do que “4k em um dia”.


Nota do autor: Este texto foi escrito por mim, Paulo Santos. Não me envergonho de dizer que juntei todas as minhas ideias em um calhamaço de palavras ditadas para o teclado do Google, com os meus pensamentos e com o meu jeito de falar. Confiei ao Gemini que ele formatasse tudo de maneira mais adequada, até que este artigo surgiu.

 

Paulo Santos é um senhor geek atento às mudanças do universo pop e ligado em novas tecnologias.

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