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Big techs pressionam o Chile diante de plano pioneiro para regular a inteligência artificial

País andino busca equilíbrio entre ética, inovação e investimento estrangeiro em meio à corrida global pela IA

O Chile está prestes a se tornar o primeiro país em desenvolvimento a adotar uma legislação abrangente para regular a inteligência artificial (IA), e as grandes empresas de tecnologia estão reagindo com preocupação. O projeto de lei, aprovado na Câmara e em análise no Senado, classifica os sistemas de IA segundo o nível de risco e impõe sanções severas para usos considerados inaceitáveis.

Segundo o Ministério da Ciência do Chile, o objetivo é “impulsionar a inovação responsável” e oferecer segurança jurídica. A proposta complementa as novas leis de cibersegurança e proteção de dados e, se aprovada, colocará o país na vanguarda regulatória entre as economias emergentes. Amazon, Google e Nvidia observam de perto o avanço do texto, temendo que regras rígidas afastem investimentos bilionários já em curso.

Gigantes da nuvem e o peso econômico do projeto

O Amazon Web Services (AWS) anunciou um investimento de US$ 4 bilhões em três data centers na região de Santiago, com inauguração prevista para 2026. A Alphabet, controladora do Google, também constrói um segundo centro e instala um cabo submarino de 14 mil quilômetros conectando o Chile à Austrália. Essas operações fazem parte de um ecossistema em expansão: o país já possui mais de 40 data centers e ocupa a segunda posição na América Latina, atrás apenas do Brasil.

Empresas do setor afirmam que as incertezas regulatórias podem atrasar a inovação e reduzir o apetite por novos projetos. “Não somos contra a regulamentação, mas contra processos que demoram demais”, afirmou Felipe Ramírez, gerente da AWS Chile. A crítica ecoa entre executivos que apontam o risco de “engessamento” semelhante ao que ocorreu na União Europeia após o AI Act.

Entre a ética e o investimento: o dilema de Boric

O presidente Gabriel Boric, que herdou a agenda digital de Sebastián Piñera, tenta equilibrar a proteção de direitos com o incentivo ao investimento. Em discurso recente, ele defendeu que “a IA deve ser regulada eticamente, mas também vista como uma oportunidade tremenda”. Boric busca transformar o Chile em um hub digital do Cone Sul, destacando a estabilidade política, a energia verde abundante e a robusta infraestrutura de fibra ótica como diferenciais competitivos.

O país lidera o índice latino-americano de preparação para a IA, segundo estudo da AWS, e 35% das empresas chilenas já utilizam soluções baseadas em aprendizado de máquina. Universidades locais oferecem cursos avançados e o governo financia o projeto LatamGPT, um modelo de linguagem regional para reduzir a dependência de plataformas estrangeiras.

Riscos e resistência das big techs

Apesar da retórica otimista, especialistas alertam para o aumento do “ônus regulatório tecnológico”. O professor Matías Aránguiz, da Pontificia Universidad Católica, afirma que “o Chile corre o risco de afastar capital tecnológico ao focar demais na abordagem pró-ética”. Casos recentes reforçam a preocupação: o Google suspendeu um projeto de data center de US$ 200 milhões após um impasse ambiental, e novas licenças continuam travadas por questões burocráticas.

O projeto de lei também prevê multas de até US$ 1,5 milhão para infrações graves, além de exigir certificações e auditorias para sistemas de IA considerados de alto risco. Críticos argumentam que essas medidas podem sufocar startups e inibir a experimentação científica.

Um modelo para a América Latina?

Enquanto a Argentina, sob o governo de Javier Milei, busca atrair a OpenAI para um investimento de US$ 25 bilhões, o Brasil avança em incentivos fiscais para importação de equipamentos de IA. O Chile aposta em se diferenciar pela regulação responsável e pela transparência, tentando mostrar que desenvolvimento tecnológico e ética pública podem coexistir.

Entretanto, a eficácia dependerá da implementação. Analistas preveem que os regulamentos complementares e a criação de uma autoridade nacional de IA levarão anos. Até lá, as big techs continuarão pressionando para que o texto final preserve o ambiente de negócios e a competitividade regional.

Com informações de Bloomberg, El País, Reuters e The Verge.

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