Especialista em IA denuncia uso não autorizado de obras protegidas por direitos autorais para treinar modelos como ChatGPT, enquanto debate sobre regulamentação ganha força.
O avanço vertiginoso da inteligência artificial (IA) generativa, como os chatbots ChatGPT, Google Gemini, Microsoft Copilot e Grok, trouxe à tona uma polêmica que ecoa entre criadores de conteúdo em todo o mundo. Toby Walsh, renomado professor da Universidade de Nova Gales do Sul e autor de quatro livros sobre IA, classificou o treinamento dessas tecnologias como “o maior roubo da história da humanidade”, em uma denúncia contundente contra gigantes como OpenAI, Google e Meta. A acusação, amplificada por uma reportagem recente do The Guardian, reacende o debate sobre ética, direitos autorais e o futuro da inovação tecnológica.
O Processo de Treinamento Sob Escrutínio
Os modelos de IA generativa dependem de vastas quantidades de dados para aprender e gerar respostas. Livros, artigos, músicas e até postagens online são absorvidos indiscriminadamente, muitas vezes sem permissão ou compensação aos autores. Walsh, com 40 anos de experiência na área, ficou perplexo ao testar o ChatGPT e descobrir que o modelo conseguia resumir capítulos inteiros de suas obras, que não estão disponíveis gratuitamente na internet. “Como eles tiveram acesso ao meu trabalho? Pelo que sei, usaram uma cópia ilegal do dataset Books3, coletado por hackers russos”, afirmou o professor, apontando para uma prática que, segundo ele, é generalizada entre as Big Techs.
Documentos judiciais recentes revelaram que a Meta, por exemplo, baixou 81 terabytes de livros pirateados via Torrent para treinar sua IA, uma ação que Walsh e outros criadores veem como uma violação descarada dos direitos autorais. “Essas empresas estão construindo impérios bilionários às custas do trabalho árduo de escritores, músicos e artistas, sem oferecer um centavo em troca”, criticou o especialista, ecoando um sentimento crescente entre a comunidade criativa global.
Um Debate Ético e Legal
A questão vai além de Walsh. Escritores, editoras e artistas ao redor do mundo têm questionado o modelo de negócios das empresas de tecnologia, que lucram com produtos baseados em conteúdos alheios. Nos Estados Unidos, processos como o movido pelo The New York Times contra a OpenAI e ações coletivas de autores contra Nvidia e Anthropic já tramitam na Justiça, alegando uso indevido de obras protegidas. Na Austrália, a Sociedade de Autores pressiona por regulamentações que obriguem as empresas a obter consentimento e pagar pelo uso de material autoral em treinamentos de IA.
Walsh argumenta que o atual cenário é insustentável. “Se eu roubar um livro e o usar para ganhar dinheiro, isso é crime. Por que seria diferente quando uma empresa de tecnologia faz o mesmo em escala massiva?”, questionou. Ele aponta para o dataset Books3, parte do controverso acervo pirateado que inclui milhões de títulos, como evidência de que as Big Techs recorrem a meios ilícitos para alimentar seus algoritmos, ignorando as leis de propriedade intelectual.
Regulamentação: O Caminho para a Justiça?
A mobilização por mudanças legais ganha força. Na Austrália, o governo considera medidas mais rígidas para proteger os direitos autorais diante do avanço das IAs generativas. A Sociedade de Autores Australianos defende que os criadores sejam consultados e remunerados, enquanto Walsh sugere que a falta de transparência das empresas — que tratam suas bases de dados como “segredos industriais” — agrava o problema. “Não sabemos exatamente o que estão usando, mas sabemos que é nosso trabalho sendo explorado”, disse.
O embate entre inovação e ética está apenas começando. Enquanto as Big Techs defendem que o uso de dados se enquadra em exceções como o “fair use” nos EUA, críticos como Walsh afirmam que essa justificativa não resiste ao exame quando o objetivo é lucro em escala global. “Não é sobre impedir o progresso da IA, mas sobre garantir que ele não aconteça às custas dos criadores”, enfatizou o professor.
Impacto e o Futuro da Criatividade
A polêmica levanta uma questão crucial: até onde a tecnologia pode avançar sem comprometer os pilares da criatividade humana? Para Walsh, o risco não é apenas financeiro, mas cultural. “Se os artistas não forem protegidos, quem vai criar o conteúdo que essas máquinas precisam para existir?”, indagou. Enquanto o debate esquenta, o mundo observa se a pressão por regulamentação forçará as Big Techs a mudar suas práticas — ou se o “maior roubo da história da humanidade” continuará a moldar o futuro da IA.
Texto adaptado de declarações de Toby Walsh ao The Guardian e revisado pela nossa redação.