O Paradoxo Paraibano: Como o Estado Mais Preparado para a Era dos Data Centers Permanece Invisível
Por Percival Henriques
Há uma cruel ironia pairando sobre a Paraíba que me tira o sono. Enquanto o governo federal anuncia investimentos de 2 trilhões de reais em infraestrutura digital e data centers para sustentar a revolução da inteligência artificial, nosso estado – provavelmente o mais preparado do Brasil para essa transformação – permanece invisível no mapa dos decisores. E o mais desconcertante: temos Hugo Motta como presidente da Câmara dos Deputados e Aguinaldo Ribeiro como relator dos projetos de lei sobre IA e data centers. Ambos paraibanos. Ambos, ao que parece, ainda não enxergaram o tesouro que têm sob os pés.
Permitam-me desenhar o absurdo dessa situação com a clareza que o momento exige.
A Paraíba possui hoje uma matriz energética invejável. Nos campos de Santa Luzia, Torres, São José do Sabugi, aerogeradores produzem energia limpa em quantidade tão abundante que operamos com cerca de 20% de capacidade ociosa. Repito para que fique cristalino: desperdiçamos um quinto de nossa produção eólica porque não temos onde escoar. Enquanto isso, suspendemos investimentos em novos parques eólicos. É como ter um aquífero jorrando água doce no deserto e mantê-lo tampado porque “não há demanda”.
Enquanto isso, o Rio de Janeiro – essa metrópole que apaga toda vez que a população liga simultaneamente seus aparelhos de ar condicionado – apresenta-se como candidata natural para sediar os data centers do futuro. A mesma cidade que não consegue garantir energia estável para seus habitantes quer abrigar os servidores que processarão a inteligência artificial brasileira. É um contrassenso que beira o surreal.
O que mais impressiona é a obscuridade dessa oportunidade para a maioria das pessoas e autoridades. Data centers modernos, ao contrário do que muitos pensam, não precisam mais ser vampiros d’água. Tecnologias de resfriamento a ar, sistemas de refrigeração líquida em circuito fechado e arquiteturas de free cooling – especialmente viáveis em nosso clima seco do interior – permitem operação com consumo hídrico próximo a zero. Pesquisadores da UFCG já publicaram papers sobre isso. Professores da UFPB desenvolveram modelos. O conhecimento existe, está disponível, mas permanece fragmentado, sem que ninguém conecte os pontos.
Campina Grande está estrategicamente posicionada como nenhuma outra cidade nordestina. Não é opinião; são fatos geográficos e climáticos. Primeiro, o clima: temperatura amena, baixa umidade relativa, altitude que favorece o resfriamento natural – condições ideais para data centers com sistemas de cooling eficientes. Segundo, a conexão privilegiada: a fibra óptica OPGW nas linhas de transmissão da CHESF nos conecta diretamente aos cabos submarinos que partem de Fortaleza para o mundo. Estamos falando de latência mínima para Europa e Estados Unidos, uma vantagem competitiva que poucos estados brasileiros possuem.
Terceiro, o ecossistema acadêmico: a UFCG forma alguns dos melhores engenheiros de computação do país – não é exagero, os números e a empregabilidade internacional dos egressos comprovam. Centros de pesquisa em IA já operam silenciosamente em nossos campi. Startups brotam apesar da falta de incentivos, movidas apenas pelo talento e determinação de nossos jovens.
E temos mais: uma posição geográfica que nos coloca equidistantes dos grandes centros consumidores do Nordeste. Uma tradição de décadas em tecnologia e inovação que remonta aos tempos em que Campina Grande foi pioneira em informática no Brasil. Uma diáspora de paraibanos bem-sucedidos no setor tech global que poderia ser mobilizada.
Mas o que acontece com essas vantagens competitivas? Permanecem invisíveis, desarticuladas, desperdiçadas.
Enquanto Thomas Friedman alerta o mundo sobre a necessidade urgente de infraestrutura para a era da IA, enquanto China e Estados Unidos disputam cada chip, cada servidor, cada watt de processamento, a Paraíba possui um patrimônio inexplorado. Temos energia verde sobrando – exatamente o que data centers precisam para atingir metas de carbono neutro que grandes corporações tech exigem. Temos localização geográfica privilegiada. Temos talento humano. Temos conhecimento acadêmico de ponta.
O momento histórico é único. A convergência entre a revolução da IA, a necessidade global de data centers sustentáveis e nossas vantagens naturais e construídas pode não se repetir. Imaginem o impacto transformador: engenheiros paraibanos não precisando migrar para São Paulo ou Dublin. Startups locais tendo acesso a poder computacional de classe mundial. Universidades tornando-se centros globais de pesquisa em IA. Empresas internacionais estabelecendo operações aqui não por incentivos fiscais insustentáveis, mas por vantagens competitivas reais e duradouras.
O que falta então? Talvez seja hora de todos conversarem. De sentar à mesa – governo estadual, prefeituras, universidades, empresários, deputados federais, senadores – abstraindo as divergências políticas locais que tanto nos custam. O desenvolvimento tecnológico da Paraíba não pode ser refém de disputas paroquiais. A oportunidade é maior que qualquer projeto político individual.
Precisamos que alguém some A mais B. Que conecte nossa energia abundante com a demanda voraz por processamento. Que una nosso conhecimento acadêmico com as necessidades do mercado. Que articule nossas vantagens geográficas com as estratégias globais das big techs.
A revolução da inteligência artificial não espera. Cada dia que passa com nossos aerogeradores girando a 20% da capacidade é um dia em que outro estado ou país consolida sua posição no mapa global dos data centers. Cada jovem talentoso que deixa a Paraíba por falta de oportunidades é uma peça a menos no quebra-cabeça de nosso desenvolvimento.
A energia está soprando em nossos campos eólicos. A fibra óptica pulsa sob nossos pés conectando-nos ao mundo. O conhecimento fervilha em nossas universidades. Os decisores políticos ocupam posições estratégicas em Brasília. Todas as peças estão no tabuleiro.
Só falta alguém enxergar o jogo completo.
A história não perdoa os que dormem em momentos decisivos. E este, senhoras e senhores, é nosso momento decisivo. A questão não é se a Paraíba tem condições de ser protagonista na era dos data centers e da IA. A questão é se perceberemos isso a tempo.
Percival Henriques é membro do CGI.BR e Escreve regularmente para o Movimento PB sobre tecnologia, política e desenvolvimento regional.
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