Ciências

Quando a Consciência Desperta? Uma Jornada pela Mente dos Bebês

A questão de quando a consciência emerge na vida humana tem sido um dos maiores desafios para a neurociência e a psicologia. Historicamente, a compreensão da experiência subjetiva de bebês era rudimentar, levando a práticas que hoje seriam consideradas inaceitáveis. O caso de Jeffrey Lawson, nascido prematuramente em 1985 e submetido a uma cirurgia cardíaca sem anestesia, recebendo apenas um relaxante muscular, é um triste lembrete dessa era. Sua mãe foi informada de que ele era “jovem demais para sentir dor” – uma crença difundida até a década de 1980, quando reações defensivas à dor em recém-nascidos eram consideradas meros reflexos.

Mais de duas décadas após a operação de Jeffrey, uma equipe de pesquisa internacional trouxe à tona evidências cruciais: os cérebros de bebês prematuros reagem a estímulos dolorosos de maneira muito similar à de adultos. Os pesquisadores observaram um aumento no suprimento de oxigênio em partes do córtex cerebral associadas à experiência consciente, indicando maior atividade neuronal. Essa descoberta foi um divisor de águas, confirmando que, sim, bebês prematuros sentem dor.

Determinar quando a consciência, em suas diversas formas, realmente se manifesta em bebês é um desafio complexo. “O padrão-ouro para comprovar a experiência subjetiva é o auto-relato”, explica Lorina Naci, psicóloga e neurocientista do Trinity College Dublin. Contudo, essa via é impossível com bebês. A discussão sobre a mente em desenvolvimento está intrinsecamente ligada à dificuldade de definir a própria consciência, um fenômeno que modelos filosóficos, psicológicos e neurobiológicos tentam desvendar. Investigar sua presença no início do desenvolvimento oferece insights valiosos e novas maneiras de testar teorias existentes.


Sensaçāo e Sensibilidade: As Diferentes Faces da Consciência Infantil

No campo da pesquisa sobre a consciência no desenvolvimento inicial, há duas grandes correntes, segundo Naci. A primeira adota uma visão estrita, argumentando que a consciência emerge na primeira infância, e que um ser só é consciente quando atinge um estágio que lhe permite demonstrar capacidades como tomada de decisão e autorreflexão. Uma ideia influente nessa corrente sugere que um estado mental se torna consciente quando um pensamento é direcionado a ele. Por exemplo, se você vê uma maçã vermelha e pensa: “Eu vejo uma maçã vermelha”, você está consciente dessa sensação porque tem um pensamento de ordem superior que a representa. Por essa definição, a consciência só surge no curso da infância, pois exige processos de pensamento mais elaborados.

Um tipo específico de consciência a ser considerado é a consciência de si como um ser distinto, que geralmente emerge por volta dos 18 meses. A partir dessa idade, a maioria das crianças que recebem uma marca de tinta na bochecha sem perceber, ao se olharem no espelho, não apenas se reconhecerão, mas também tocarão a área afetada ou a apontarão para outros. “As crianças obviamente têm uma ideia de si mesmas e a comparam com seu reflexo”, diz o psicólogo do desenvolvimento Norbert Zmyj, da TU Dortmund University, na Alemanha. “Crianças mais novas, por outro lado, veem seu reflexo como um parceiro de brincadeira ou tocam o espelho em vez do próprio rosto.”

A segunda corrente de pesquisadores aborda a consciência de forma mais ampla, incluindo o que é chamado de consciência primária ou central – a consciência do momento presente e das sensações. Nesse enquadramento, a consciência poderia estar presente muito mais cedo na vida. Em uma revisão publicada em 2023, Naci e seus colegas discutiram evidências comportamentais de que bebês recém-nascidos experimentam alguma forma de sensação subjetiva – ou consciência primária – logo após o nascimento. Exemplos incluem recém-nascidos fixando o olhar em rostos, contorcendo a expressão em resposta à dor e reagindo a sons de maneiras que indicam que distinguem a voz da mãe da de estranhos. Essa última habilidade é notável porque implica aprendizado e exigiria memória, que os pesquisadores também consideram crítica para certos tipos de consciência.

O desafio, contudo, é que esses comportamentos podem ser interpretados como meramente automáticos. Observar tais reações não é suficiente para ter certeza sobre as experiências conscientes de um bebê do mundo. “Precisamos de métodos melhores para estudar a consciência precoce, tanto para defini-la… quanto para detectá-la”, afirma a neurocientista Julia Moser, coautora da revisão de 2023. Para realmente compreender a consciência, ela e outros pesquisadores argumentam que precisamos investigar o cérebro.


Alinhando Percepção e Consciência: O Papel do Cérebro

A relação entre consciência e percepção é complexa. Um exemplo notável é o fenômeno da “visão cega” (blindsight), onde indivíduos com danos no córtex visual primário podem apontar ou alcançar objetos em seu campo de visão sem ter a sensação consciente de vê-los. Isso sugere que o cérebro processa estímulos visuais inconscientemente. Experimentos que manipulam a visibilidade de um objeto buscam identificar padrões consistentes de atividade cerebral que possam ser marcadores da experiência consciente. Por exemplo, em testes onde duas imagens são mostradas em sucessão rápida, a segunda “cobre” a primeira na percepção, e as pessoas não relatam ter visto a primeira imagem. Contudo, nos primeiros 200 a 300 milissegundos de processamento visual, ocorrem reações nas áreas sensoriais do cérebro, indicando processamento inconsciente.

Cientistas confirmaram que um estímulo visual precisa aparecer por pelo menos 300 milissegundos para ser percebido conscientemente. Essa experiência é acompanhada por uma resposta cerebral sincronizada e amplamente distribuída nos lobos frontal e parietal. Esse pico na resposta cerebral, medido pela onda P300 de atividade elétrica, é considerado um indicador confiável de percepção consciente. Uma equipe de pesquisadores franceses, incluindo o neurocientista cognitivo Stanislas Dehaene e a pediatra Ghislaine Dehaene-Lambertz, buscou esses padrões em bebês. Em um estudo, eles usaram eletrodos para registrar flutuações na atividade elétrica cerebral de 80 crianças com cinco, 12 e 15 meses de idade enquanto viam rostos na tela por diferentes durações. Os resultados mostraram uma onda cerebral lenta em crianças de um ano ou mais que se assemelhava à resposta P300 de adultos, embora mais tardia. Em bebês de cinco meses, a onda também apareceu, mas menos pronunciada e ainda mais atrasada. Com base nessa atividade cerebral, a equipe concluiu que bebês de apenas cinco meses podem ter impressões visuais conscientes.

Outra linha de pesquisa explora a consciência através da atividade cerebral associada a esse estado em adultos, utilizando ressonância magnética funcional (fMRI). Naci e seus colegas investigaram a interação de duas redes cerebrais: as redes frontoparietal e de modo padrão. As regiões frontal e parietal fazem parte das redes de atenção dorsal e controle executivo do cérebro, essenciais para planejamento e metas. A rede de modo padrão, ativa quando não estamos focados em uma tarefa específica, suporta atividades como pensamento sobre si mesmo. Em adultos saudáveis, essas áreas exibem uma relação complementar e coordenada. Em um estudo de 2022, Naci e colegas observaram que recém-nascidos em repouso também mostram um padrão de ativação complementar nessas redes, indicando comunicação neuronal. Em 2025, a equipe de Naci publicou descobertas sobre outro padrão de conectividade cerebral ligado à consciência em adultos, a arquitetura de “pequeno mundo”, que reflete a transferência eficiente de informações. Eles descobriram que não apenas recém-nascidos a termo, mas a maioria dos prematuros (nascidos entre 32 e 35 semanas) também apresentavam esse padrão, embora em forma menos desenvolvida.

Moser e seus colegas usaram magnetoencefalografia fetal para medir a atividade cerebral em 56 fetos saudáveis entre a 25ª e a 40ª semana de gravidez. Em um experimento, tocaram uma sequência repetida de sons e alteraram o padrão para observar mudanças na atividade cerebral. Fetos com apenas 35 semanas mostraram mudanças na atividade que sugerem reconhecimento do padrão alterado, indicando uma forma primária e sensorial de consciência, pois o cérebro foi capaz de manter uma memória por mais de um minuto. Outros estudos, como o de Franziska Schleger, apontam que recém-nascidos e fetos notam mudanças no número de sons tocados. No entanto, Moser enfatiza que esse trabalho não indica que um feto seja plenamente consciente, mas sim que essas capacidades podem ser os primeiros passos para a experiência consciente.


Limites da Consciência Precoce e o Desenvolvimento Gradual

Existe um limite anatômico notável para o surgimento das formas mais precoces de consciência. Em 2020, Hugo Lagercrantz, do Instituto Karolinska na Suécia, observou que a consciência só pode despertar quando há conexões entre o tálamo e o córtex cerebral. O tálamo atua como um centro de controle, transmitindo sinais sensoriais para diversas áreas do córtex. As conexões de fibras nervosas correspondentes se desenvolvem por volta da 24ª semana de gravidez. A partir daí, segundo Lagercrantz, a consciência é teoricamente possível. No entanto, ele ressalta: “Não tenho certeza se um feto já está realmente consciente. Na maioria das vezes, ele dorme, mesmo que reaja à dor, ao toque e à voz da mãe.”

Após o nascimento, a história é diferente, como fica claro pelo repertório comportamental expandido de uma criança. Um recém-nascido pode imitar os pais e reagir mais fortemente à conversa humana do que a outros sons, por exemplo. Tudo isso pode ser considerado como sinais de consciência mínima. Lagercrantz e Moser concordam que a consciência não emerge de um momento para o outro, mas se constrói gradualmente. Segundo Moser, isso se encaixa bem com nossa compreensão do desenvolvimento em outras áreas da cognição, como a memória. “A maioria das habilidades cresce gradualmente, mesmo aquelas que pouco têm a ver com cognição, como a capacidade de ver com precisão ou controlar os músculos”, diz ela. Por que a consciência seria uma exceção?


Da redação com informações de Scientific American    [GM-20250706-1444]

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