Descoberta inédita revela neutrino de energia 30 vezes maior que qualquer outro já registrado, levantando questões sobre sua origem cósmica.
Um grupo internacional de cientistas anunciou nesta quarta-feira (12) a detecção do neutrino mais energético já registrado, um avanço significativo na compreensão dos fenômenos mais extremos do universo. A descoberta, realizada pelo telescópio subaquático KM3NeT, surpreendeu a comunidade científica pela magnitude da energia da partícula, que supera em cerca de 30 vezes qualquer outro neutrino já observado.
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Os neutrinos são partículas subatômicas praticamente sem massa e sem carga elétrica, conhecidas por sua capacidade de atravessar a matéria sem interagir com ela. Por essa razão, são difíceis de detectar, mas extremamente valiosos para a astronomia, pois carregam informações diretas de suas origens, que podem estar em explosões estelares, buracos negros ativos ou eventos cósmicos raros.
O neutrino recém-detectado tem um nível de energia sem precedentes, sugerindo que ele pode ter se originado em um ponto distante do espaço, possivelmente fora da Via Láctea. “Essa é a primeira vez que se observa um neutrino com essa energia. Isso nos permite explorar uma nova faixa de energia e, possivelmente, uma nova classe de fontes de neutrinos”, afirmou Paul de Jong, pesquisador da Universidade de Amsterdã e porta-voz do projeto.
Telescópio subaquático KM3NeT
O KM3NeT é um experimento científico em desenvolvimento no fundo do mar Mediterrâneo, com sensores instalados a mais de 3 mil metros de profundidade próximo às costas da Itália e da França. Sua estrutura foi projetada para detectar a luz gerada quando neutrinos de alta energia colidem com moléculas de água, permitindo que os cientistas analisem sua trajetória e origem cósmica.
“A construção do KM3NeT ainda está em andamento, e mesmo com apenas uma fração dos sensores instalados, conseguimos esse feito inédito”, explicou Aart Heijboer, físico do projeto. A descoberta foi publicada na revista científica Nature, sendo destaque na capa da edição.
Partícula de energia extrema
O evento ocorreu em 13 de fevereiro de 2023, quando o detector ARCA, parte do KM3NeT, identificou um neutrino com uma energia estimada em 220 petaelétronvolts (PeV) — bilhões de vezes mais potente do que um fóton de luz visível.
Diante desse valor excepcional, os cientistas acreditam que a partícula pode ter vindo de um buraco negro ativo ou até mesmo de um evento mais raro e desconhecido. “Quando percebemos a energia e as características desse evento, e como ele se destacava dos demais, ficamos naturalmente empolgados”, relatou Paul de Jong.
Os neutrinos viajam em linha reta pelo espaço, o que os diferencia de outras partículas, como raios cósmicos e raios gama, que podem ser desviados por campos magnéticos ou bloqueados por poeira e gás. O que chamou atenção nesse caso específico foi sua trajetória quase horizontal, com uma inclinação de apenas 0,6° acima do horizonte, algo incomum, pois a maioria dos neutrinos detectados na Terra tem trajetórias mais verticais, produzidos por raios cósmicos na atmosfera.
Esse fator sugere que o neutrino percorreu uma distância muito maior através da crosta terrestre antes de ser detectado, tornando sua origem ainda mais intrigante. O registro aconteceu enquanto a partícula atravessava a plataforma continental de Malta, uma região de águas rasas próxima à ilha.
Como foi possível detectar esse neutrino?
Para identificar essas partículas, os cientistas utilizam telescópios subaquáticos ou em ambientes congelados, como o IceCube Neutrino Observatory, localizado no Polo Sul. Quando um neutrino interage com a matéria, ele gera outras partículas que se movem quase à velocidade da luz, emitindo um brilho azul característico. Essa luz é então captada pelos sensores do KM3NeT, permitindo que os cientistas reconstruam a energia e direção da partícula, rastreando sua origem no cosmos.
O físico Farinaldo Queiroz, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), explica que a peculiaridade dos neutrinos os torna ferramentas valiosas para o estudo do universo:
“Como os neutrinos não possuem carga elétrica, não podemos usar campos magnéticos para focá-los. Eles simplesmente atravessam tudo que veem pela frente. Quando produzidos em uma fonte, seja o Sol, buracos negros ou outros astros, eles carregam essa informação da fonte até nós, ansiosos para detectá-los.”
O IceCube já havia fornecido fortes evidências da existência de neutrinos cósmicos, mas a origem de muitos deles ainda permanece um mistério. A expectativa é que novas detecções como essa possam ampliar o conhecimento sobre os eventos mais enigmáticos do universo e contribuir para avanços tecnológicos.
“Acredito que, por meio dessas descobertas, conseguiremos avançar no entendimento do universo como um todo e, com investimentos em ciência básica, produzir tecnologias que impactam a sociedade”, destacou Queiroz.
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