A música brasileira que previu a inteligência artificial 30 anos antes do ChatGPT
“Computadores Fazem Arte”, de Chico Science & Nação Zumbi, antecipa debates sobre criatividade digital décadas antes do seu tempo
Antes que ferramentas como o ChatGPT, DALL·E e outras inteligências artificiais tomassem conta das discussões sobre criatividade no século XXI, a música brasileira já dava seus sinais proféticos. Um exemplo brilhante vem de 1994: a canção “Computadores Fazem Arte”, do disco Da Lama ao Caos, de Chico Science & Nação Zumbi.
O álbum, considerado um marco do Movimento Manguebeat, mistura ritmos tradicionais do Nordeste — como maracatu, coco e ciranda — com referências globais, do hip hop à música eletrônica. A proposta: unir o arcaico e o moderno, o local e o universal. Foi nesse contexto que surgiu uma das mais visionárias provocações culturais da música brasileira.
Uma letra simples, uma mensagem poderosa
Repetitiva e hipnótica, a canção “Computadores Fazem Arte” traz versos quase minimalistas:
Computadores fazem arte
Artistas fazem dinheiro
Computadores fazem arte
Computadores fazem arte…
Em 1994, a frase soava como experimento poético, provocação conceitual ou até mesmo uma ironia futurista. Em 2025, ela soa como um alerta visionário. Estamos diante de um mundo onde máquinas produzem textos, imagens, músicas e vídeos com impressionante fluidez — muitas vezes indistinguíveis da criação humana.
A estética afrocibernética do Manguebeat
Dois anos após Da Lama ao Caos, o grupo lançaria Afrociberdelia, aprofundando o diálogo entre tecnologia e ancestralidade. Mas já no disco de estreia, a fusão entre tradição e futuro estava explícita. A faixa em questão funciona como um mantra sobre o que viria a ser o século XXI: uma era onde os limites da criatividade seriam rediscutidos.
Chico Science, morto tragicamente em 1997, e Fred Zero Quatro, compositor da faixa, anteciparam uma inquietação que só agora começamos a entender: pode uma máquina ser criativa?
Inteligência artificial: criação ou simulação?
Em 2025, softwares como ChatGPT, Midjourney, Sora e outros geram conteúdo artístico com fluidez. Mas ainda dependem fortemente de bases de dados humanas, estilos aprendidos e padrões culturais pré-existentes. Ou seja, são máquinas que simulam criatividade a partir da inteligência humana acumulada.
No entanto, para o público, esses limites estão se tornando cada vez mais invisíveis. O que importa, na prática, é o resultado. E o fato de que uma música de 1994 já enunciava essa crise de originalidade e autoria é não apenas surpreendente — é profético.
Do Recife para o mundo
Mais do que uma curiosidade ou uma previsão tecnológica, “Computadores Fazem Arte” é um manifesto cultural. Ela coloca o Nordeste brasileiro no centro da reflexão global sobre arte, máquina e subjetividade. Da lama à inteligência artificial, a periferia sempre soube onde olhar — e com quantos bits se faz um futuro.
Da redação com informações de acervo cultural e registros fonográficos [PTG-OAI-10072025-2255-4OT]