O diretor brasileiro Walter Salles protagonizou um momento emocionante durante a 97ª edição do Oscar, realizada no Dolby Theatre, em Hollywood. Ao vencer o prêmio de Melhor Filme Internacional por Ainda Estou Aqui, Salles precisou improvisar seu discurso ao descobrir que havia perdido as anotações preparadas para a ocasião. Em coletiva de imprensa, o cineasta revelou detalhes sobre o discurso original, que carregava um forte teor político e homenagens significativas.
“Fiquei com os óculos, mas sem ter o que ler”, brincou Salles ao relatar o incidente. A fala que havia planejado começava com agradecimentos tanto ao cinema brasileiro quanto ao norte-americano, destacando que “a cinematografia não existe sozinha”. No entanto, o ponto alto do discurso perdido seria a homenagem a Eunice Paiva, cujo legado de resistência inspirou a narrativa do filme. Salles pretendia ressaltar como figuras como Eunice, Fernanda Torres e Fernanda Montenegro simbolizam “o que temos de melhor no Brasil”.
Um discurso contra o autoritarismo
O trecho mais contundente do discurso original trazia críticas diretas aos regimes autoritários, com Salles planejando encerrar sua fala em português, declarando: “Ditadura nunca mais”. A frase, carregada de simbolismo para a história política do Brasil, seria um ato de denúncia contra o avanço de práticas autoritárias em diversas partes do mundo.
O diretor explicou que o discurso abordava como “os governos autoritários surgem, mas acabam sumindo no esgoto da história”, enquanto a arte persiste como memória e resistência. A intenção era não apenas celebrar o cinema brasileiro, mas também alertar para os riscos da erosão democrática.
A íntegra do discurso improvisado
Apesar da perda das notas, Salles conseguiu transmitir parte de sua mensagem no improviso. Confira a íntegra do discurso que foi ao ar:
“Obrigado, em nome do Cinema Brasileiro.
Agradeço à Academia por reconhecer a história de uma mulher que, diante de uma tragédia causada por uma ditadura militar, optou por resistir para proteger sua família. Em um tempo em que tais regimes estão se tornando cada vez menos abstratos, dedico esse prêmio a Eunice Paiva e a todas as mães que, diante de tamanha adversidade, têm a coragem de resistir. Que nos ensinam a lutar sem perder a capacidade de sorrir, mesmo quando elas se sentem frágeis.
Este prêmio também pertence a duas mulheres extraordinárias, Fernanda Torres e Fernanda Montenegro. Elas não apenas elevaram nosso filme, mas representam o fato de que a arte resistiu no Brasil.
Governos autoritários surgem e desaparecem no esgoto da história, enquanto livros, canções e filmes ficam conosco… Obrigado a todos, em nome do cinema brasileiro e latino-americano!
Viva a Democracia, Ditadura Nunca Mais!”
Resistência como legado
A escolha de dedicar o prêmio a Eunice Paiva, viúva do desaparecido político Rubens Paiva, e às atrizes Fernanda Torres e Fernanda Montenegro reforçou a ideia de que a arte, especialmente o cinema, tem o poder de eternizar histórias de resistência. Salles também quis destacar que, mesmo diante de censuras e ataques, a cultura nacional tem se mantido firme como um pilar contra o autoritarismo.
A repercussão do discurso improvisado foi imediata, com aplausos de pé no Dolby Theatre e uma enxurrada de manifestações nas redes sociais. A fala contundente de Salles, ainda que adaptada pela necessidade do momento, capturou a essência de seu compromisso com a memória, a verdade e a democracia.
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Com informações de Metrópoles, Veja e G1