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Eden – Paraíso em decomposição

Eden – Paraíso em decomposição

Por: Paulo Santos

Ron Howard nunca foi um diretor de arestas. Seu cinema geralmente procura o equilíbrio entre o humano e o espetacular, a catarse moral e a técnica funcional. Em Eden, no entanto, ele parece disposto a sujar as mãos — a entrar na lama de uma utopia apodrecida. O filme recria o episódio real dos colonos europeus que, nos anos 1930, buscaram uma nova vida na ilha de Floreana, nas Galápagos, e encontraram o velho inferno das paixões humanas.

Há um desconforto quase físico nas imagens: o calor árido, o isolamento, a sensação de que a câmera está respirando junto com o medo. Howard filma o “paraíso” como uma febre, e não como um refúgio. A fotografia queimada e os rostos em colapso lembram mais O Senhor das Moscas do que A Lagoa Azul. E é aí que o filme encontra seu pulso — quando a paisagem deixa de ser cenário e se torna personagem, cúmplice da paranoia e do delírio.

Jude Law e Sydney Sweeney encarnam o conflito entre idealismo e desejo com uma tensão quase teatral, como se a cada diálogo houvesse uma luta subterrânea por poder e pureza. Daniel Brühl, sempre magnético, dá ao seu personagem um ar de missionário niilista — um Nietzsche de chinelos.

Frame do filme EDEN – arquitetura do olhar

O que Howard faz aqui, de modo surpreendente, é aproximar-se mais de Hitchcock do que de seus dramas tradicionais. Não por causa do suspense, mas pela arquitetura do olhar: tudo é mediado pela dúvida, pela culpa, pela impossibilidade de confiar em quem narra ou observa. A ilha vira um palco hitchcockiano, onde o crime é menos importante que o impulso que o provoca.

Frame do filme EDEN – a falência do mito do recomeço

Mas há também algo de Steinbeck em Eden. Uma moralidade cansada, quase derrotada, que observa o colapso humano sem surpresa — como em O Inverno da Nossa Desesperança. Howard parece dizer que a civilização é uma febre que a selva apenas faz suar, não curar.

No fim, Eden é menos sobre o que aconteceu — desaparecimentos, mortes, segredos — e mais sobre a falência do mito do recomeço. A ideia de que basta fugir do mundo para escapar de si mesmo. E quando o filme silencia, o que ecoa não é o barulho das ondas, mas a respiração tensa de quem percebe que o paraíso, afinal, nunca existiu.


Ficha Técnica

  • Título: Eden (2025)
  • Direção: Ron Howard
  • Elenco: Jude Law, Sydney Sweeney, Daniel Brühl, Vanessa Kirby
  • Gênero: Drama / Suspense psicológico
  • Nota: 8,3 / 10