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Imagineland em Campina: Quem vai lembrar às novas gerações que o primeiro herói nasceu aqui?

Às vésperas do maior evento de cultura pop da região, um radialista que conheceu Deodato Borges lança a provocação: vamos honrar nosso passado de pioneirismo ou deixar que ele se apague?

Por Paulo Santos
Editor de Cultura Pop e Gestor de Conteúdo do Movimento PB

O Imagineland desembarca em Campina Grande em outubro.

A lembrança me transporta de volta à juventude, quando, com meus vinte e poucos anos nas idas para a matriz da Correio FM em João Pessoa, eu via o mestre Deodato Borges em ação. Ele já era uma lenda, de uma geração muito anterior à minha, e eu, como coordenador artístico de rádio, tive a honra de trabalhar sob sua direção. Ele faleceu em 2014, aos 80 anos, mas a energia daquele “exército de um homem só”, como bem definiu Manassés Filho, da Comic House, ainda ecoa.

Ao ver os ingressos do 2º lote para o Imagineland sendo vendidos, com a promessa de painéis e um universo de entretenimento geek no novo Centro de Convenções, uma pergunta me inquieta. Uma provocação que nasce do respeito e do senso de justiça histórica: em meio a tantos heróis importados, quem vai honrar o nosso? Quem vai contar para a molecada que fará filas para o evento que o primeiro super-herói paraibano, um dos pioneiros do Brasil, nasceu, em Campina Grande, há mais de 60 anos?

A Chama que Acendeu a Imaginação

Para quem não viveu, é difícil descrever. Em 1963, não havia internet, nem celular. A magia acontecia no rádio. E às 13h, de segunda a sexta, Campina Grande parava para ouvir “A Hora do Flama”. Deodato não só escrevia, desenhava e narrava, como também corria atrás dos anunciantes. Quando ele teve a sacada genial de levar aquela legião de ouvintes para as páginas do Diário da Borborema, ele não criou apenas a primeira HQ da Paraíba; ele formou leitores.

O Flama era diferente. Inspirado no “The Spirit” de Will Eisner, tinha um toque mais policial, mais pé no chão. E Deodato, com seu tino empreendedor, ainda criava carteirinhas de agente secreto e distribuía brindes. Ele transformou uma audiência em uma comunidade, um feito extraordinário para um artista independente no interior do Nordeste. Como disse o pesquisador Henrique Magalhães, não se conhece nada tão inovador na época, nem mesmo no resto do Brasil.

Um Legado que Atravessa Gerações

O legado de Deodato é imenso. Ele inspirou uma geração inteira de artistas, que viram que era possível criar e ter sucesso a partir da nossa região. E, claro, inspirou seu filho, Mike Deodato Jr., um dos maiores quadrinistas do mundo, que já desenhou para Marvel e DC. Mike sempre diz que se o pai tivesse nascido nos EUA, seria uma referência mundial. “As Aventuras do Flama foi o começo de tudo para os quadrinistas do Nordeste”, ressaltou ele.

A republicação do FLAMA e outras histórias que unem Deodato Borges e Mike Deodato

Hoje, o Flama vive. A Tábula Editora produziu novas histórias, como “O Flama & Outras Histórias”, com a bênção de Mike. Mas é um reconhecimento que ainda parece tímido, mencionado apenas em situações pontuais na mídia local. É uma chama que resiste, mas que precisa de mais oxigênio para brilhar como merece.

A Pergunta que Fica no Ar

E aqui voltamos ao Imagineland. Um evento desta magnitude tem o poder de transformar a realidade cultural de uma cidade. Será uma festa linda, não tenho dúvida. Mas a grandeza de um evento assim também se mede pela sua capacidade de se conectar com a história do lugar que o acolhe.

A provocação, de um campinense que teve o privilégio de conhecer essa história de perto, é direta: quem vai se habilitar a trazer um conteúdo realmente digno sobre a arte dos quadrinhos, recuperando nosso passado de pioneirismo? A responsabilidade recai sobre a Prefeitura de Campina Grande? Sim, mas não apenas. Onde estão nossas universidades, a UFCG e a UEPB, celeiros de pesquisa, para abraçar e repercutir essa memória? E a iniciativa privada, que tanto se beneficia do capital criativo da cidade, não teria a sensibilidade de investir no resgate de uma referência única que só Campina Grande tem a honra de carregar para a Paraíba?

Se não for o poder público, que seja a organização do evento. Que sejam as universidades ou os empresários. Mas que alguém o faça. Que o Imagineland não seja apenas um palco para o que vem de fora, mas também uma vitrine para o tesouro que temos em casa. Como um radialista apaixonado por quadrinhos, torço para que a chama do Flama não só seja lembrada, mas que ilumine com toda a sua força o nosso grande festival. A oportunidade está aí. É uma chance de ouro.

Por Paulo Santos, Gestor de Conteúdo do Movimento PB; radialista, atuou nos anos 80 e 90, como coordenador artístico da Rádio Correio de Campina Grande.

Redação do Movimento PB [GNM-OGO-08092025-3D5E7F-15P]


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