Inteligência Artificial pode acabar com a dublagem, alerta o dublador português de Bob Esponja
Para milhões de brasileiros, a voz de certos personagens é uma parte inseparável da memória afetiva. Pense no riso agudo e contagiante do Bob Esponja Calça Quadrada. Essa identidade sonora, construída por um artista de carne e osso, está agora sob uma nova e poderosa ameaça. A preocupação foi verbalizada por Pedro Cardoso, ator que dá voz ao personagem em Portugal, durante o podcast “Era Uma Voz”: “A inteligência artificial consegue fazer as vozes todas e em qualquer língua. Não sei até que ponto as dobragens continuarão a existir”.
A declaração de Cardoso, embora vinda do contexto português, ecoa um medo crescente que assombra uma das indústrias mais celebradas do Brasil: a da dublagem. A tecnologia que promete replicar vozes humanas com perfeição abre uma caixa de Pandora de questões sobre o futuro da arte, do trabalho e da própria alma que uma interpretação confere a um personagem. O debate está lançado: a eficiência da máquina pode substituir a genialidade do artista?
A Máquina que Aprende a Falar (e a Sentir?)
A tecnologia de clonagem de voz por inteligência artificial avançou a passos largos. Com amostras suficientes, um algoritmo pode não apenas replicar o timbre de um ator, mas também aplicar essa voz a qualquer roteiro, em qualquer idioma. Para os grandes estúdios, os argumentos a favor são tentadores: redução drástica de custos, agilidade na produção e a possibilidade de localizar conteúdo para mercados menores, onde a dublagem tradicional seria financeiramente inviável.
Contudo, a questão central permanece: uma IA pode, de fato, atuar? Ela é capaz de capturar a ironia, a hesitação, a dor, a alegria e todas as microexpressões que um ator experiente infunde em sua performance? Pode um algoritmo compreender o subtexto de uma piada ou o peso dramático de uma cena? O temor é que a busca por eficiência resulte em performances vazias, tecnicamente perfeitas, mas desprovidas de qualquer emoção genuína.
O Grito dos Artistas: Uma Indústria Brasileira Sob Ameaça
No Brasil, onde a dublagem é reconhecida internacionalmente por sua qualidade e se tornou um patrimônio cultural, a ameaça é sentida de forma ainda mais intensa. A “escola brasileira de dublagem” não apenas traduz palavras, ela adapta culturalmente piadas, referências e emoções, criando uma conexão única com o público. A voz de Márcio Seixas como Batman ou a de Wendel Bezerra como Goku são tão canônicas para os brasileiros quanto as originais.
A IA representa uma ameaça direta a este ecossistema profissional e artístico. Os profissionais da voz temem não apenas a perda de postos de trabalho, mas também a precarização e a exploração de sua identidade vocal. A possibilidade de ter a própria voz clonada e usada perpetuamente em projetos futuros, sem o devido consentimento ou remuneração justa, já é uma pauta central em debates e greves de sindicatos de atores ao redor do mundo.
O caso do Bob Esponja é emblemático. O que torna o personagem tão cativante não é apenas o que ele diz, mas a forma como sua voz transmite uma ingenuidade e um otimismo quase delirantes. É uma criação artística complexa. A tecnologia pode até conseguir imitar o som, mas o desafio de replicar a alma de uma performance continua a ser o grande bastião da arte humana. No fim, a questão levantada pela voz do Bob Esponja ecoa para muito além da Fenda do Biquíni. A escolha que faremos sobre a dublagem definirá o tipo de histórias que queremos ouvir: as que são eficientemente produzidas por uma máquina ou aquelas que carregam a falha, a genialidade e a emoção de um artista de verdade.
Da redação do Movimento PB, com informações do podcast Era Uma Voz
Redação do Movimento PB [GME-GOO-29072025-1315-15P]