Prefeitura do Rio desapropria imóvel icônico onde foi filmado ‘Ainda Estou Aqui’, vencedor do Oscar

Residência histórica na Urca abrigará a sede da RioFilme e será transformada em memorial do cinema brasileiro

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, anunciou nesta segunda-feira a desapropriação da casa localizada na Urca, Zona Sul da cidade, que serviu como cenário principal para o filme Ainda Estou Aqui, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A decisão, oficializada por decreto publicado em edição extra do Diário Oficial, prevê que o imóvel se torne a nova sede da RioFilme, empresa pública voltada para a produção e distribuição audiovisual. Além disso, parte da residência será preservada como um memorial aberto ao público, celebrando a história e a cultura cinematográfica do Brasil.

A casa, construída em 1938, tornou-se um símbolo não apenas pela beleza arquitetônica, mas também pela relevância histórica retratada no filme, dirigido por Walter Salles e protagonizado por Fernanda Torres, vencedora do Globo de Ouro de Melhor Atriz. A obra foi baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva e narra a trajetória de uma família durante a ditadura militar no Brasil, destacando episódios de repressão, desaparecimentos e resistência política. O decreto da prefeitura destaca a importância de preservar essa memória como forma de homenagear os brasileiros que lutaram contra o autoritarismo e contribuir para a compreensão do período.

A valorização súbita do imóvel

Curiosamente, horas antes do anúncio oficial da desapropriação, Marcelo Dias, corretor responsável pela venda do imóvel, informou que o preço havia disparado de R$ 13,9 milhões para R$ 25 milhões. O aumento foi justificado pelo sucesso do filme e pela conquista do Oscar, que transformou a casa em um ponto de interesse cultural e turístico. A prefeitura, no entanto, afirmou que o valor final será discutido com os proprietários durante o processo de desapropriação.

Segundo Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores Teatrais do Rio, a casa deixou de ser apenas uma locação para se tornar um marco na história do cinema nacional. “O fato é que a casa, que inicialmente era uma personagem do filme, a partir do Oscar se tornou um personagem da história não só da cidade, mas do país”, destacou Barata.

Preservação cultural e apelo turístico

O projeto da prefeitura inclui a preservação dos cenários originais do andar térreo, que serão abertos à visitação pública, enquanto outras dependências da casa abrigarão a estrutura administrativa da RioFilme. O vice-prefeito, Eduardo Cavaliere, ressaltou a intenção de transformar o local em um ponto turístico relevante, destacando que a localização privilegiada, próxima ao Pão de Açúcar, potencializa o apelo para visitantes tanto nacionais quanto estrangeiros.

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Lucas Padilha, secretário municipal de Cultura, explicou que o objetivo não é criar um novo Museu da Imagem e do Som (MIS), mas sim um espaço dedicado ao cinema brasileiro. A proposta inclui a exibição de objetos de cena, roteiros originais, depoimentos dos envolvidos na produção e até mesmo uma possível exposição da estatueta do Oscar conquistada pelo filme.

Padilha também lembrou que o Rio de Janeiro já teve sua história ligada a diversas produções que alcançaram reconhecimento internacional, como Orfeu do Carnaval, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1960, e Central do Brasil, que recebeu indicações em 1999. A ideia é que o memorial sirva não apenas como homenagem ao filme, mas como um tributo mais amplo à contribuição do Brasil para o cinema mundial.

Impacto cultural e político

O filme Ainda Estou Aqui aborda a história da família Paiva, destacando a figura de Rubens Paiva, deputado federal desaparecido durante a ditadura militar. A narrativa tem como um de seus focos principais a resiliência de Eunice Paiva, esposa de Rubens, interpretada por Fernanda Torres, que luta para manter a memória do marido viva e buscar justiça em um período de repressão brutal. O decreto de desapropriação ressalta o papel da obra em promover a reflexão sobre os impactos do autoritarismo e a importância de defender a democracia.

Para historiadores e especialistas, a iniciativa da prefeitura vai além de uma simples homenagem cinematográfica. Ela representa um esforço para resgatar capítulos dolorosos da história brasileira, oferecendo um espaço onde visitantes poderão refletir sobre o passado recente do país. A decisão também ocorre em um momento em que discussões sobre a preservação da memória da ditadura têm ganhado novo fôlego, diante de tentativas de revisionismo histórico.

Repercussão popular

A decisão de transformar a casa em ponto turístico teve repercussão imediata. No dia seguinte à premiação do Oscar, visitantes já faziam fila para tirar fotos na frente da residência. Entre eles, turistas como Alec Isbelo e Geilson dos Santos, que vieram de Roraima para o Carnaval, destacaram a importância de o Brasil ter um “templo para o cinema”, comparando a casa na Urca a marcos internacionais como os estúdios da Universal em Hollywood.

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A professora Luciane Escaleira, carioca radicada em Brasília, levou a família para conhecer o local. Apaixonada pelo trabalho de Walter Salles, ela ressaltou que o verdadeiro legado do filme é tornar pública a história de resistência da família Paiva. “São detalhes tristes, mas necessários para que esses tempos nunca mais se repitam”, afirmou.

Já as professoras Elayne Rodrigues e Maria Lúcia Doligetto enfatizaram a importância de celebrar o cinema nacional como forma de compreender a história brasileira. Para elas, o filme não só homenageia os que resistiram à ditadura, mas também serve como um lembrete do valor da democracia.

Desafios e expectativas

Embora a desapropriação tenha sido bem recebida por grande parte da opinião pública, o processo deve enfrentar desafios, principalmente quanto à negociação do valor da indenização com os atuais proprietários. A previsão é que as conversas avancem nas próximas semanas, mas sem prazo definido para a conclusão. Especialistas destacam que, além da questão financeira, será necessário um planejamento cuidadoso para a adaptação do espaço sem comprometer a preservação dos cenários originais.

Para Eduardo Paes, a transformação da casa em sede da RioFilme e memorial representa um investimento estratégico para a cultura e o turismo da cidade. “É mais do que uma homenagem ao filme. É uma forma de afirmar a relevância do cinema brasileiro no cenário mundial”, declarou o prefeito.

Enquanto isso, fãs do filme e apreciadores do cinema nacional aguardam ansiosos para ver de perto os cenários onde foram gravadas algumas das cenas mais emblemáticas de Ainda Estou Aqui. A expectativa é que, uma vez aberto ao público, o espaço se torne um dos principais atrativos turísticos da Urca, consolidando-se como um símbolo do cinema e da resistência democrática no Brasil.

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