Cultura

Regulamentação do streaming avança na Câmara, mas cinema independente teme retrocesso

Texto aprovado prevê taxação de plataformas, mas produtores criticam brechas que podem beneficiar grandes players e esvaziar financiamento de obras independentes.

A Câmara dos Deputados aprovou, na última terça-feira (4), o texto-base do Projeto de Lei nº 8.889/2017, que regulamenta os serviços de vídeo sob demanda (VoD) no Brasil. A proposta, que agora segue para análise do Senado, institui a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) para gigantes do setor como Netflix, Amazon Prime, Disney+ e até mesmo plataformas de compartilhamento como o YouTube.

O projeto prevê alíquotas de até 4% sobre a receita bruta anual das empresas, com isenção para aquelas com faturamento de até R$ 4,8 milhões. O Ministério da Cultura (MinC) classificou a aprovação como um “avanço importante”, destacando a retomada da Condecine Remessa — taxa de 11% sobre valores enviados ao exterior, que pode ser isentada se 3% forem reinvestidos na produção independente local.

Contudo, o texto não foi bem recebido pelo setor audiovisual independente. Realizadores e associações alertam que, da forma como está, a regulamentação pode representar um “grande retrocesso” e prejudicar justamente quem mais precisa de fomento.

Críticas à “Lei Rouanet para streamings”

A principal crítica da Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro (API) e de cineastas recai sobre os mecanismos de dedução. Matheus Peçanha, diretor da API, considera a alíquota de 4% “irrisória”.

O ponto mais controverso é a permissão para que as plataformas abatam 60% da Condecine devida para investir diretamente em produções, sendo 40% desse valor em produções próprias (originais da plataforma). Para os críticos, isso desconfigura a política audiovisual brasileira, que sempre focou no produtor independente.

“Na prática, é dinheiro público financiando originais das plataformas ligadas a canais de TV. Trata-se de um precedente perigosíssimo”, alertou Peçanha. Em atos realizados na véspera da votação, a cineasta Lúcia Murat, da Associação Brasileira de Cineastas (Abraci), foi mais direta: “Isso transforma a regulação numa espécie de ‘Lei Rouanet para os streamings’. É uma loucura”.

Outro ponto criticado é a definição do que conta para a cota de 10% de conteúdo brasileiro. Segundo o relator, um episódio de série de 22 minutos contaria o mesmo que um longa-metragem, o que os produtores consideram “equivocado e desproporcional”.

Impacto regional e mobilização

A cineasta Cibele Amaral, da Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste (Conne), alerta que permitir às plataformas escolherem onde investir retira o poder da política pública. “Isso retira das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste a visibilidade conquistada nos últimos anos”, afirmou.

Na segunda-feira (3), profissionais do setor realizaram protestos em capitais como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Salvador, no movimento “Pega a Visão”. O cineasta pernambucano Kléber Mendonça Filho, diretor de “O Agente Secreto”, defendeu a necessidade de um caminho justo para o financiamento: “As plataformas devem deixar uma colaboração financeira para o cinema brasileiro”, disse.

O setor audiovisual promete manter a mobilização para tentar reverter os pontos críticos durante a tramitação do projeto no Senado.

Adaptado de Agência Brasil, pela redação do Movimento PB. [GEM-GOO-07112025-A8B4-V18.2]