Em novembro de 2017, um caso chocou o Reino Unido, o suicídio de Molly Russell, aos 14 anos. Dois anos antes, em abril de 2015, a jovem Morgan Pieper também tirou a própria vida em circunstâncias similares. O que esses dois casos têm em comum? Ambas foram expostas constantemente a conteúdos de automutilação, depressão e suicídio nas redes sociais. No caso de Molly, houve uma investigação e o inquérito apresentado concluiu que ela faleceu devido aos efeitos negativos das mídias sociais. Já o de Morgan ainda está em andamento.
No Brasil, Jéssica Canedo morreu após ser vítima de fake news propagadas pela página “Choquei” no Instagram, que possui mais de 20 milhões de seguidores. Conforme o advogado da família de Jéssica, atualmente estão sendo colhidas provas para julgar a página por diversos crimes, incluindo incitação ao suicídio.
Casos como os supracitados e diversos outros que tiveram motivações advindas de conteúdos relacionados à internet, ganharam destaque nos últimos anos pelo aumento de famílias processando veículos de mídias sociais por acreditarem na responsabilidade dessas empresas pelas tragédias envolvendo seus familiares.
Então, qual seria o papel que a internet e, principalmente, as mídias sociais apresentam em casos de suicídio entre jovens?
Diversos estudos apontam que a ideação suicida é maior em jovens que utilizam a internet excessivamente, sendo estes expostos a conteúdos problemáticos que aguçam pensamentos ansiosos e depressivos. Com isso, os jovens ficam mais vulneráveis ao cyberbullying, a predadores sexuais, além de terem prejuízos como a privação do sono. Ademais, surgem sentimentos autodepreciativos devido à constante comparação que as mídias sociais proporcionam as vidas cuidadosamente editadas e aparentemente perfeitas de outros usuários.
Ainda se pode acrescentar a obsessão de alguns usuários com likes e engajamento, que se torna um verdadeiro vício. Constatando essa afirmação, em 2014, um estudo foi conduzido por cinco neurocientistas que chegou a conclusão de que o uso do Facebook ativa a mesma parte impulsiva do cérebro que apostas e uso de substâncias.
Em 2021, Frances Haugen, uma ex-funcionária do Facebook, testemunhou para a Corte do Senado dos Estados Unidos sobre como o aplicativo impacta negativamente a saúde mental de jovens e completou dizendo: “A liderança da empresa sabe como fazer o Facebook e o Instagram mais seguros, mas não farão as mudanças necessárias, pois colocam os lucros exorbitantes antes das pessoas”. Em outro momento, um dos presidentes fundadores do Facebook admitiu que a plataforma trabalha explorando a vulnerabilidade de seus usuários.
Mas como é possível combater esse fenômeno?
Enquanto é claro que as mídias sociais devem fornecer meios de minimizar e regular seu impacto. Questões éticas são levantadas com relação ao uso de algoritmos para identificar ideações suicidas em seus usuários. Primeiramente, de um ponto de vista psicológico, diversos fatores devem ser levados em consideração antes de haver uma intervenção direta. A IA empregada pelo Facebook utiliza apenas os dados fornecidos pela pessoa na plataforma, desconsiderando a análise multidimensional necessária em muitos casos. Podendo levar ao acionamento de autoridades policiais em “falsos positivos”, gerando constrangimento e até problemas relacionais, uma vez que a família ficaria sabendo da situação através de um policial. Essa ocorrência pode ser agravada se a notícia atinge a comunidade, especialmente considerando o preconceito ainda presente em relação à saúde mental. Por isso, é tão importante respeitar o direito à privacidade do indivíduo e buscar um ambiente seguro, como um setting terapêutico, para evitar traumas e consequências psíquicas em geral.
Outro ponto moral importante é sobre a confidencialidade esperada de profissionais da saúde. Nos Estados Unidos, informações sobre a saúde mental dos cidadãos é protegida pela Health Insurance Portability and Accountablity Act (HIPAA), sendo manejadas por instituições que fornecem serviços de assistência médica e psicológica. Dessa forma, redes sociais como o Facebook não se enquadram nesse papel, podendo trazer a questão do direito à privacidade dos utilizadores que, muitas vezes, sequer sabem ao que estão consentindo ao assinarem os termos e condições do aplicativo em relação ao uso de seus dados. Porém, nesse caso, o uso de inteligência artificial para prever suicídio acaba por ficar de fora do escopo da HIPAA e, portanto, não é regulado pela instituição. Em contrapartida, pelos motivos mencionados anteriormente, esse algoritmo de detecção de ideação suicida é banido em outros países, como no Reino Unido.
Especialistas brasileiros também discutem esses obstáculos e como superá-los. De acordo com Karen Scavacini, representante da organização Vita Alere, é importante ressaltar o impacto positivo da tecnologia e da mídia nesse contexto. No relatório disponibilizado pelo NIC (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR) sobre a governança da prevenção ao suicídio na internet, ela afirma que a divulgação de informações adequadas nas próprias mídias sociais pode desempenhar um papel na prevenção desse tipo de tragédia.
Segundo Karen, a governança digital deve envolver um trabalho cooperativo de diversas instituições, incluindo governo, ONGs, profissionais da área da saúde, pesquisadores e empresas de tecnologia. Dessa forma, a prevenção seria realizada através de um esforço multidisciplinar que possa desenvolver estratégias eficazes por meio de campanhas online considerando diversas plataformas e seus algoritmos (levando em consideração a privacidade dos usuários), aplicativos que aconselhem e encaminhem jovens em crise, e uso de ferramentas que identifiquem a ideação suicida de forma precoce.
No mesmo documento, Isabela Souza Silva, do Instituto Vero, destaca a importância de haver uma legislação no Brasil que preveja leis específicas que abordem o tema do suicídio relacionado à internet, além da disseminação de serviços de atendimento psicológico online. É fundamental a existência de uma rede de apoio para esses jovens em vulnerabilidade e o fácil acesso a ela.
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