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Universo não é uma simulação: físicos afirmam que realidade está além da capacidade computacional

Pesquisa canadense desafia hipóteses da “Matrix cósmica” e reacende o debate sobre os limites da computação e da física teórica.

Há décadas, a ideia de que o Universo seria uma simulação de computador – semelhante à retratada no filme Matrix – instiga cientistas, filósofos e tecnólogos. Mas um grupo de físicos da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, acaba de oferecer uma resposta que promete encerrar, ou ao menos redefinir, essa discussão. Segundo o professor Mir Faizal e sua equipe, “não vivemos em uma simulação porque a natureza fundamental da realidade não pode ser descrita computacionalmente”.

Em termos simples: o Universo não cabe em um algoritmo. A própria estrutura da realidade, sustentam os pesquisadores, opera a partir de princípios que transcendem qualquer tipo de processamento lógico-sequencial possível em uma máquina. Essa conclusão decorre de uma série de provas matemáticas fundamentadas em teoremas de incompletude e indecidibilidade – os mesmos que sustentam os limites do raciocínio formal desde Kurt Gödel.

O paradoxo da simulação e o argumento matemático

A hipótese de que o Universo seria uma simulação pressupõe que todos os fenômenos físicos poderiam ser descritos por equações computáveis, isto é, algoritmos finitos que produzem resultados previsíveis. Essa ideia ganhou força com a física da informação, que propõe que tudo o que existe é, em essência, informação pura.

No entanto, Faizal e seus colegas – Lawrence M. Krauss, Arshid Shabir e Francesco Marino – demonstram que, mesmo admitindo uma base informacional, a realidade contém elementos que não podem ser reduzidos a instruções computáveis. Usando o teorema da incompletude de Gödel, o grupo mostra que sempre haverá verdades sobre o Universo que são logicamente verdadeiras, mas impossíveis de serem provadas ou simuladas.

Em termos técnicos, eles chamam isso de “compreensão não algorítmica” – uma forma de entendimento que vai além da sequência de operações lógicas que um computador é capaz de executar.

Informação, realidade e o “reino platônico”

O estudo parte da premissa de que espaço e tempo não são entidades fundamentais, mas emergem de uma camada mais profunda da realidade, descrita em termos de informação quântica. Essa perspectiva, chamada de infodinâmica, remete ao que os autores chamam de “reino platônico” – uma espécie de substrato matemático de onde tudo se origina.

Porém, a equipe canadense vai além: demonstra que mesmo essa dimensão informacional tem limites. “Uma descrição totalmente consistente e completa da realidade não pode ser alcançada apenas por meio da computação”, explica Faizal. “Ela exige uma compreensão não algorítmica, que, por definição, está além da computação algorítmica e, portanto, não pode ser simulada.”

Consequências para a física e a inteligência artificial

O artigo, publicado na revista Journal of Holography Applications in Physics, tem o título “Consequences of Undecidability in Physics on the Theory of Everything” e repercutiu entre teóricos da computação e especialistas em filosofia da ciência. Ele sugere que qualquer tentativa de formular uma “teoria de tudo” – uma estrutura unificada que explique toda a física – inevitavelmente esbarrará em paradoxos lógicos.

Esse mesmo princípio se aplica à inteligência artificial. Assim como um computador não pode conter todas as verdades matemáticas, uma IA jamais será capaz de representar de forma completa e coerente toda a realidade. Isso reforça o entendimento de que há limites intrínsecos à computação, mesmo em sistemas quânticos avançados.

“Há aspectos da realidade física que exigem uma abordagem não algorítmica”, resume Faizal. “Isso significa que não importa o quão poderoso seja o computador – o Universo sempre conterá dimensões que escapam à simulação.”

Entre filosofia, física e ficção científica

Embora a hipótese da simulação tenha sido popularizada pela ficção científica e por nomes como Nick Bostrom e Elon Musk, ela também reflete inquietações legítimas sobre os limites da ciência moderna. Se tudo é informação, por que não poderíamos estar dentro de um sistema computacional mais complexo?

O novo estudo não nega o papel da informação, mas redefine sua natureza: em vez de ser um código que pode ser processado, ela seria uma entidade conceitual que fundamenta o próprio espaço-tempo. A diferença é sutil, mas decisiva – significa que a física não é apenas uma linguagem descritiva, mas também criadora de realidade.

Em outras palavras, mesmo que o Universo se comporte como um programa em certos níveis, ele não é executado por nenhum processador. Ele é autossuficiente em sua lógica, e esta lógica contém elementos que jamais poderão ser traduzidos em números binários.

Impactos no pensamento científico brasileiro

Para pesquisadores brasileiros, o estudo abre espaço para novas abordagens interdisciplinares entre matemática, física teórica e filosofia da mente. Laboratórios como o Instituto de Física da USP e o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) já desenvolvem projetos sobre computação quântica e fundamentos da informação que dialogam com essas descobertas.

“Esse tipo de pesquisa ajuda a lembrar que nem tudo é redutível a cálculo”, comenta o físico Rogério Rosenfeld, do ICTP-SAIFR. “O mistério ainda é parte essencial da ciência.”

Da redação com informações de Inovação Tecnológica

Referência: Faizal, M.; Krauss, L. M.; Shabir, A.; Marino, F. Consequences of Undecidability in Physics on the Theory of Everything. Journal of Holography Applications in Physics, DOI: 10.22128/jhap.2025.1024.1118.

Perguntas Frequentes (FAQ)

1. O que significa dizer que o Universo “não pode ser descrito computacionalmente”?

Significa que a realidade contém aspectos que não podem ser completamente traduzidos em fórmulas matemáticas ou algoritmos. Segundo os físicos, há elementos do Universo que exigem uma “compreensão não algorítmica” — ou seja, um tipo de raciocínio que está além da capacidade de qualquer computador, inclusive dos quânticos.

2. Essa pesquisa realmente prova que não vivemos em uma simulação?

Os cientistas afirmam ter encontrado uma base matemática forte para negar a hipótese da simulação. No entanto, como toda teoria científica, o trabalho é parte de um debate contínuo. Ele limita a plausibilidade da ideia de que o Universo seria um programa de computador, mas não encerra a discussão filosófica sobre o tema.

3. O que é a “compreensão não algorítmica” mencionada pelos pesquisadores?

É um conceito derivado do teorema da incompletude de Kurt Gödel. Ele indica que existem verdades matemáticas que não podem ser provadas por meio de cálculos. Aplicado à física, isso significa que há fenômenos da natureza que não podem ser totalmente descritos ou simulados por equações computacionais.

4. Como isso se relaciona com a Teoria da Informação Quântica?

A Teoria da Informação Quântica investiga como a informação é armazenada, processada e transmitida em nível subatômico. Essa área tem mostrado que espaço e tempo podem ser derivados de estruturas informacionais mais básicas. A pesquisa canadense dialoga com essa teoria, mas ressalta que a informação, por si só, não basta para explicar toda a realidade.

5. A descoberta tem impacto sobre a Inteligência Artificial?

Sim. O estudo reforça que há limites teóricos para o que uma IA pode compreender ou simular. Mesmo os sistemas mais avançados, como os baseados em aprendizado de máquina ou computação quântica, permanecem restritos a processos algorítmicos. Isso significa que certos aspectos da consciência e da realidade podem estar permanentemente fora do alcance das máquinas.

6. Qual é a importância dessa pesquisa para a ciência brasileira?

Ela inspira pesquisadores locais a explorar novas fronteiras entre física teórica, matemática e filosofia da ciência. Instituições como o Instituto de Física da USP e o CBPF vêm desenvolvendo estudos que abordam questões semelhantes, contribuindo para que o Brasil participe do debate global sobre os limites da computação e da natureza da realidade.

7. Essa teoria contradiz a religião ou o conceito de criação?

Não necessariamente. O estudo trata de limites matemáticos e físicos da descrição da realidade, sem discutir crenças espirituais. Para muitos pensadores, a constatação de que o Universo não é inteiramente redutível a cálculos pode, inclusive, reforçar a ideia de que existe algo além do material.

8. Onde posso ler o artigo científico original?

O estudo foi publicado na revista Journal of Holography Applications in Physics e pode ser acessado via DOI: 10.22128/jhap.2025.1024.1118.