Descoberta de megadepósito de lítio na China altera cenário da transição energética

Nova reserva reforça domínio chinês na cadeia de baterias e desafia restrições dos EUA

A recente descoberta de uma gigantesca reserva de lítio na China pode redefinir a geopolítica da transição energética, consolidando ainda mais a posição chinesa no mercado global de baterias. De acordo com o Serviço Geológico da China, a nova jazida pode elevar a participação do país nas reservas mundiais de lítio de 6% para 16,5%, colocando a China como o segundo maior detentor do minério, atrás apenas da Bolívia.

A professora Ana Carolina Russo, especialista em engenharia de minas da USP, analisa os impactos dessa descoberta e destaca a crescente rivalidade entre China e Estados Unidos pelo domínio do setor.

A importância do lítio e os desafios para a América do Sul

O lítio é um insumo essencial para a produção de baterias de veículos elétricos e armazenamento de energia renovável. Embora frequentemente comparado ao petróleo por seu valor estratégico, sua exploração envolve desafios técnicos, econômicos e ambientais.

A América do Sul, especialmente a região conhecida como Triângulo do Lítio (Argentina, Bolívia e Chile), possui as maiores reservas do mundo, mas enfrenta dificuldades para agregar valor à produção. “Apesar das grandes jazidas, a região ainda depende de investimentos em tecnologia e infraestrutura para competir com países como China e Austrália, que possuem operações mais avançadas”, explica Ana Carolina.

Alternativas ao lítio e o avanço da tecnologia

A crescente demanda pelo minério tem impulsionado a pesquisa por materiais alternativos. As baterias de sódio-íon, que utilizam um elemento mais abundante e barato, já começaram a ser produzidas por empresas chinesas como a CATL, mas ainda apresentam menor eficiência energética. Outras inovações, como baterias de estado sólido e baseadas em magnésio e enxofre, também estão em desenvolvimento, mas enfrentam desafios técnicos antes de se tornarem viáveis comercialmente.

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“A inovação tecnológica será fundamental para reduzir a dependência do lítio e minimizar os impactos ambientais da mineração”, ressalta Russo.

Disputa entre China e EUA pelo controle da cadeia produtiva

A China já domina a cadeia produtiva do lítio, refinando cerca de 60% do minério mundial e liderando a fabricação de baterias. Empresas como Ganfeng Lithium e CATL controlam grande parte da extração e do processamento global. Em contrapartida, os Estados Unidos têm investido na reestruturação de sua indústria para reduzir a dependência da China, mas ainda estão longe de alcançar a autossuficiência no setor.

“A disputa pelo lítio reflete a crescente importância estratégica do mineral na economia global. Países que conseguirem dominar sua produção e tecnologia estarão em posição de liderança no futuro”, analisa a professora.

A consultoria Rystad Energy prevê que, apesar das tarifas impostas pelos EUA e Europa sobre veículos elétricos chineses, fabricantes como BYD e CATL continuarão expandindo suas operações para mercados internacionais, transferindo parte da produção para países parceiros.

Oportunidades para o Brasil

O Brasil possui reservas significativas de lítio, estimadas em 730 mil toneladas, principalmente no Vale do Jequitinhonha (MG). Com a recente flexibilização das normas de exportação, o país pode se tornar um importante fornecedor global. No entanto, especialistas alertam que o maior potencial econômico está na industrialização do lítio.

“O Brasil precisa investir na cadeia produtiva para fabricar baterias e agregar valor ao minério, em vez de apenas exportá-lo como matéria-prima”, destaca Ana Carolina. Além disso, a sustentabilidade da mineração e a reciclagem de baterias são pontos fundamentais para garantir um crescimento responsável do setor.

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Sustentabilidade e o futuro do lítio

A extração de lítio exige grandes volumes de água e pode causar impactos ambientais significativos, especialmente em regiões áridas. A reciclagem de baterias surge como uma solução para reduzir a dependência da mineração e mitigar danos ambientais.

“O futuro do lítio dependerá da capacidade dos países de equilibrar inovação, sustentabilidade e políticas industriais. Quem dominar essa equação estará na vanguarda da economia global”, conclui a especialista.

A análise se baseia em dados do Serviço Geológico da China, United States Geological Survey, Agência Nacional de Mineração e relatórios da International Energy Agency e BloombergNEF.

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