América para quem? Monroe e a eterna sombra do Tio Sam

Nascida em 1823 sob a premissa de um continente livre de interferências europeias, a Doutrina Monroe, com seu famoso lema “América para os americanos”, parecia inicialmente uma bandeira anti-colonial. Contudo, essa declaração de princípios rapidamente se transformou em um instrumento de projeção de poder, pavimentando o caminho para o intervencionismo e o imperialismo dos Estados Unidos na América Latina.
Em sua gênese, a doutrina visava proteger as recém-independentes nações americanas de qualquer tentativa de recolonização por potências europeias. Os EUA, ainda uma potência emergente, buscavam consolidar sua própria esfera de influência, afastando rivais do Hemisfério Ocidental. Era um posicionamento estratégico, mas que já carregava em si as sementes de uma futura hegemonia.
A Evolução para o Imperialismo: De Protetora a Dominadora
O século XIX e o início do século XX testemunharam a metamorfose da Doutrina Monroe. O ideal de “América para os americanos” desvirtuou-se, tornando-se, na prática, “América para os Estados Unidos”. O expansionismo territorial, impulsionado pelo conceito de Destino Manifesto, e as repetidas intervenções militares e políticas em países vizinhos marcaram essa nova fase.
O ponto de inflexão veio com o Corolário Roosevelt, em 1904. Theodore Roosevelt, então presidente, declarou que os EUA poderiam intervir em nações latino-americanas para restaurar a ordem e evitar a intervenção europeia, transformando o país na “polícia” do continente. Essa interpretação abriu as portas para décadas de ingerência, ditando os rumos políticos e econômicos de diversas nações da região.
A Doutrina Monroe no Século XXI: Velhos Fantasmas, Novas Batalhas
Hoje, a Doutrina Monroe não figura mais como uma política externa formal, mas seu espírito persiste em debates geopolíticos e estratégicos. Enquanto alguns a consideram um “significante vazio” sem aplicação direta, outros a veem como a base não declarada da política de vizinhança dos EUA.
A ascensão global da China, com sua crescente presença econômica e política na América Latina, tem funcionado como um catalisador para o ressurgimento do conceito. Washington busca reafirmar sua proeminência regional, vendo a influência chinesa como uma “invasão hostil” ou uma tentativa de tomar recursos estratégicos, ecoando os temores de outrora sobre potências externas.
Políticos como Donald Trump, por exemplo, demonstraram interesse em “atualizar” a doutrina, direcionando-a para questões como segurança regional, combate ao narcotráfico e controle migratório. A ideia central permanece: o Hemisfério Ocidental é de interesse estratégico primordial para os EUA, e sua estabilidade e cooperação contra ameaças transnacionais devem ser garantidas sob sua liderança.
Contestação e a Busca por Autonomia
Naturalmente, essa visão é constantemente contestada por países latino-americanos e analistas. A busca por autonomia e a crítica à hegemonia e ao intervencionismo disfarçado sob a retórica da Doutrina Monroe são pautas recorrentes. A região anseia por construir suas próprias relações internacionais, livres das amarras de um passado marcado pela ingerência externa.
Em síntese, a Doutrina Monroe, que nasceu como uma declaração de independência contra o colonialismo, evoluiu para uma ferramenta de projeção de poder e, hoje, é um conceito revisitado para justificar a manutenção da hegemonia dos EUA em um cenário de acirrada competição global por influência na América Latina e Caribe.
Da redação do Movimento PB.
