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Crânio de 1 milhão de anos da China pode reescrever a história da evolução humana

Crânio de 1 milhão de anos da China pode reescrever a história da evolução humana

Um fóssil descoberto há mais de três décadas na China está no centro de uma revolução científica: o crânio Yunxian 2, datado de cerca de 1 milhão de anos, foi reanalisado com técnicas digitais avançadas e revela traços que desafiam o entendimento tradicional sobre a origem do Homo sapiens. Publicado na revista Science, o estudo sugere que essa descoberta antecipa em centenas de milhares de anos a divergência das linhagens humanas, indicando uma evolução mais antiga e complexa do que se imaginava, com implicações para a compreensão de nossos ancestrais na Ásia e além.

Reconstrução digital revela traços em mosaico

Encontrado em 1990 na província de Hubei, o crânio Yunxian 2 sempre foi classificado como pertencente ao Homo erectus, uma espécie ancestral considerada precursora dos humanos modernos. No entanto, sua fragmentação e deformações causadas pela fossilização impediam análises precisas. Agora, com o uso de tomografias computadorizadas de alta resolução e modelagem tridimensional, uma equipe internacional, liderada por pesquisadores chineses e incluindo o antropólogo Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres, corrigiu essas distorções e produziu a reconstrução mais precisa até o momento.

O resultado é uma morfologia em mosaico: o crânio combina características primitivas, como testa recuada, arcada supraciliar robusta e uma caixa craniana alongada e baixa — típicas do Homo erectus —, com traços derivados mais avançados, como a forma achatada da face e uma capacidade craniana estimada em 1.143 cm³, maior que a de erectus (cerca de 900 cm³), mas menor que a média dos humanos modernos (1.350 cm³). Análises filogenéticas, que comparam semelhanças entre fósseis, posicionam Yunxian 2 como o membro mais antigo do clado Homo longi, conhecido como “homem-dragão”, uma linhagem descoberta em 2021 a partir de outro crânio chinês e intimamente ligada aos denisovanos, espécie identificada principalmente por DNA.

Uma divergência evolutiva mais antiga e complexa

As implicações são profundas: o estudo propõe que a divergência entre as linhagens do Homo sapiens, neandertais e Homo longi (incluindo denisovanos) ocorreu há cerca de 1,3 milhão de anos, dobrando a estimativa anterior de 500 mil anos. Isso sugere que “proto-sapiens” — formas transitórias rumo aos humanos modernos — já existiam há 1 milhão de anos, resolvendo o que os paleontólogos chamam de “confusão no meio”, a proliferação de fósseis ambíguos entre 1 milhão e 300 mil anos atrás.

Nos últimos 800 mil anos, os humanos de grande cérebro teriam se dividido em apenas cinco grandes linhagens: Homo erectus asiático, Homo heidelbergensis, neandertais, Homo longi (com denisovanos) e Homo sapiens. “Isso muda muito o pensamento, pois sugere que, há 1 milhão de anos, nossos ancestrais já haviam se dividido em grupos distintos”, afirmou Chris Stringer ao The Guardian, coautor do estudo. A hipótese mais ousada é que o ancestral comum dessas linhagens pode ter vivido na Ásia Ocidental, não na África, berço tradicional da humanidade — embora Stringer ressalve a necessidade de fósseis africanos mais antigos para confirmação.

Controvérsias e limites da descoberta

As conclusões geram debate. Aylwyn Scally, geneticista da Universidade de Cambridge, alertou à BBC sobre a cautela com estimativas temporais, que são “muito difíceis de fazer”, independentemente de evidências fósseis ou genéticas. Sem DNA preservado no Yunxian 2 — devido à idade e condições de preservação —, a classificação baseia-se exclusivamente em comparações anatômicas, o que limita a certeza. Outros especialistas, como Sheela Athreya, da Texas A&M University, destacam que a evolução do Pleistoceno Médio permanece um mistério, com fósseis exibindo traços variáveis que desafiam classificações lineares.

O estudo integra fósseis chineses como Dali, Jinniushan e Harbin ao clado Homo longi, sugerindo que essa linhagem foi bem-sucedida na Ásia, ocupando vastas áreas com diversidade morfológica, possivelmente em grupos isolados. No entanto, para avançar, os autores clamam por análises genéticas futuras e escavações adicionais, especialmente na África, onde lacunas persistem.

Implicações para a paleoantropologia e conexões globais

Embora o foco seja na China, essa descoberta ressoa globalmente, incluindo no Nordeste brasileiro, onde sítios arqueológicos como a Serra da Capivara, no Piauí, revelam evidências de ocupação humana antiga, datadas de até 100 mil anos. A redefinição da linha do tempo evolutiva pode influenciar interpretações de fósseis sul-americanos, sugerindo migrações mais precoces de linhagens asiáticas via Bering, com impactos no entendimento da dispersão humana para as Américas. No Brasil, instituições como o Museu Nacional da UFRJ poderiam se beneficiar de colaborações internacionais para aplicar técnicas digitais semelhantes a fósseis locais, como os de Lagoa Santa, potencializando novas narrativas sobre a chegada de humanos ao continente.

Um marco na compreensão de nossas raízes

O crânio Yunxian 2 não é apenas um fóssil; é uma janela para uma história humana mais ramificada e antiga, desafiando narrativas eurocêntricas e destacando a Ásia como palco central da evolução inicial. Se confirmada, essa revisão cronológica implica que linhagens como a nossa surgiram há 1 milhão de anos, com co-existências prolongadas entre espécies irmãs, moldando a tapeçaria genética moderna. Essa descoberta nos convida a repensar não só o passado distante, mas nossa conexão contínua com ancestrais diversos, urgindo por mais escavações para preencher as lacunas dessa narrativa em evolução.


“Isso muda muito o pensamento, pois sugere que, há 1 milhão de anos, nossos ancestrais já haviam se dividido em grupos distintos, apontando para uma divisão evolutiva humana muito mais antiga e complexa do que se acreditava anteriormente”, disse Chris Stringer, antropólogo do Museu de História Natural de Londres.


Da redação com informações de Superinteressante [GRK-XAI-30092025-1915-V1G]


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