Enciclopédia Barsa: A história do ‘Google de papel’ que formou gerações de paraibanos
De objeto de desejo e status nas salas de estar a plataforma digital, a saga da Barsa é um retrato da transformação do acesso ao conhecimento no Brasil e um mergulho na memória afetiva de milhares de famílias.
Para qualquer pessoa que viveu sua infância e adolescência antes da virada do milênio, a cena é familiar: na estante da sala, ocupando um lugar de honra, uma fileira de livros grossos, de capa dura, prometia conter todo o conhecimento do mundo. Em João Pessoa, em Campina Grande, em todo o Nordeste, fazer um trabalho de escola ou saciar uma curiosidade sobre história, ciência ou geografia significava mergulhar naquele tesouro. Aquela era a Enciclopédia Barsa, o “Google de papel” que, por décadas, foi o maior símbolo de saber e um objeto de desejo para a classe média brasileira.
Lançada em março de 1964, a Barsa nasceu de uma ideia visionária: não ser apenas uma tradução da famosa Encyclopaedia Britannica, mas uma obra adaptada à identidade nacional. A empresária Dorita Barret e seu marido, Alfredo de Almeida Sá — cujos sobrenomes formaram o nome “Barsa” —, reuniram uma constelação de quase 200 intelectuais brasileiros, incluindo gigantes como Jorge Amado, Raquel de Queiroz, Oscar Niemeyer e Antônio Houaiss. Cerca de 30% do conteúdo era original, escrito por brasileiros para brasileiros, com o maior verbete da coleção sendo, apropriadamente, sobre o Brasil, com 126 páginas.
O impacto foi imediato. A primeira tiragem, de 45 mil exemplares, esgotou-se em apenas oito meses. Nas décadas de 70 e 80, a Barsa se consolidou como um verdadeiro “palácio do saber” doméstico. Ter a coleção completa na estante era um atestado de status intelectual e, principalmente, uma promessa de um futuro acadêmico brilhante para os filhos. No auge, em 1990, a empresa vendeu impressionantes 120 mil coleções em um único ano. O vendedor da Barsa, que batia de porta em porta oferecendo o sonho do conhecimento em suaves prestações, tornou-se uma figura folclórica em todo o país.
A disrupção digital e o fim de uma era
O reinado da enciclopédia impressa começou a ruir nos anos 1990. Primeiro, vieram os CD-ROMs, que ofereciam uma interatividade inédita. Depois, a internet começou a se popularizar, e o golpe de misericórdia veio em 2001, com o lançamento da Wikipedia. A ideia de um conhecimento gratuito, colaborativo e infinitamente atualizável tornou a enciclopédia de papel obsoleta quase da noite para o dia. O declínio foi vertiginoso: das 120 mil coleções vendidas em 1990, a Barsa vendeu apenas 8 mil em 2010.
Mas a Barsa não morreu; ela se transformou. Em 2000, a editora espanhola Planeta adquiriu os direitos da marca e iniciou um meticuloso processo de digitalização. O resultado foi a criação do BarsaSaber, uma plataforma de conteúdo online voltada para o apoio escolar, com recursos como hipertexto, imagens e buscas temáticas. A marca, que um dia vendeu livros de porta em porta, hoje vende assinaturas digitais anuais por cerca de 320 reais através de seu site oficial, o Barsa Shop, onde, para os mais nostálgicos, ainda é possível comprar a coleção impressa.
A saga da Barsa é um retrato fiel da nossa própria relação com a informação. Ela representa a transição de um mundo onde o conhecimento era um bem físico, curado por especialistas e reverenciado em um altar doméstico, para uma era de acesso instantâneo, caótico e infinito. Em meio à avalanche de informações da internet, talvez tenhamos perdido um pouco do ritual e da profundidade que o ato de abrir um daqueles pesados volumes representava. A Barsa não está mais na estante da sala, mas permanece na memória afetiva de uma geração que aprendeu a descobrir o mundo virando suas páginas.
Da redação com informações da Exame
Redação do Movimento PB [NMG-OGO-22092025-N8P4Q1-15P]
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