Em artigo na Nature, Genevieve Wojcik alerta para o retorno de teses eugenistas, ligando-as a políticas migratórias e declarações de figuras como Trump. Ciência reforça: raças humanas não existem biologicamente.
Do passado ao presente: a sombra da eugenia
A epidemiologista Genevieve L. Wojcik, da Universidade Johns Hopkins, publicou um alerta na revista Nature: ideias eugenistas, que já sustentaram políticas de esterilização em massa e leis racistas no século XX, estão ganhando novo fôlego. Em seu artigo, ela cita exemplos históricos, como o Johnson-Reed Act de 1924, que restringiu a imigração de grupos considerados “inferiores” nos EUA, e as mais de 60 mil esterilizações forçadas realizadas no país até 1979.
A cientista relaciona esse legado a declarações recentes, como a do ex-presidente Donald Trump, que em 2023 mencionou a existência de “genes ruins” no país, associando-os a imigrantes, e a proposta de incentivar mulheres brancas a terem mais filhos. “Se não nos mobilizarmos, o nacionalismo branco ameaçará a ciência e a igualdade”, escreve Wojcik.
Pseudociência e o mito das ‘raças biológicas’
Wojcik critica declarações como as de Robert Kennedy Jr., secretário de Saúde, que sugeriu em fevereiro que crianças negras precisariam de vacinas diferentes das brancas devido a “diferenças imunológicas”. A premissa, além de infundada, repousa na falsa noção de que raças humanas são biologicamente distintas — ideia já desmontada pela genética.
Dois genomas humanos compartilham 99,9% de identidade, e variações fenotípicas (como cor da pele) não definem grupos geneticamente isolados. “Raça é uma construção social, não biológica”, enfatiza a pesquisadora. Ela ilustra o ponto com a distribuição de hemoglobinopatias: enquanto regiões da Índia registram 8% de casos de talassemia beta, na China a taxa é de 2,7%. “Tratar todos como ‘asiáticos’ apaga essa diversidade”, argumenta.
O perigo do ‘racismo científico’
A epidemiologista ressalta que categorizar pessoas por “raça” em pesquisas médicas pode levar a conclusões enviesadas. Por exemplo, associar doenças a grupos étnicos sem considerar fatores socioeconômicos ou geográficos reforça estereótipos e negligencia causas reais.
Wojcik também lembra que o movimento eugenista original, surgido no século XIX, buscava “melhorar geneticamente” a população ao promover a reprodução seletiva — uma lógica que culminou em atrocidades nazistas. “Reviver essas ideias sob novos pretextos é um risco global”, conclui.
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Texto adaptado de Nature e revisado pela nossa redação.