No início do século 20, o destino do Brasil e do Vietnã se cruzou de forma inesperada. Durante sua passagem pelo Rio de Janeiro, o líder vietnamita Ho Chi Minh tomou conhecimento da história de José Leandro da Silva, conhecido como Pernambuco, um sindicalista negro e nordestino que liderou greves marítimas e foi preso por sua luta. O episódio inspirou um dos textos políticos de Ho Chi Minh, destacando a solidariedade entre trabalhadores. Essa conexão improvável ilustra as tensões sociais da época e como a luta de classes transcende fronteiras.
Uma conexão inesperada entre Brasil e Vietnã
A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Vietnã reacende uma conexão histórica pouco lembrada entre os dois países. Embora Brasil e Vietnã tenham estabelecido relações diplomáticas formais há apenas 35 anos, seus caminhos se cruzaram muito antes, nos anos 1920, por meio de Ho Chi Minh, um dos principais líderes da independência vietnamita.
Durante uma breve estadia no Brasil, Ho Chi Minh tomou conhecimento da história de José Leandro da Silva, um sindicalista negro e nordestino, que ficou conhecido como Pernambuco. Ele foi um dos protagonistas da Greve dos Marítimos no Rio de Janeiro, em 1921, um movimento contra as condições de trabalho nos navios da Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro. Sua trajetória de luta e sua absolvição na Justiça impressionaram o futuro líder vietnamita, que escreveu sobre o episódio no texto Solidariedade de Classes.
A luta de Pernambuco e a Greve dos Marítimos
O início do século 20 foi marcado por conflitos sociais intensos no Brasil, impulsionados pela chegada de imigrantes e pela disseminação de ideias trabalhistas e socialistas. Em 1921, trabalhadores de um dos navios da Lloyd Brasileiro, ancorado no Rio de Janeiro, iniciaram uma greve para protestar contra as condições precárias de trabalho. O movimento se espalhou rapidamente, atraindo a adesão de outros operários.
José Leandro da Silva, que trabalhava como taifeiro — responsável pela limpeza dos camarotes —, tornou-se uma figura central na paralisação. Em 4 de março daquele ano, ele tentou convencer mais marítimos a aderirem à greve, mas foi confrontado pela polícia. Em meio ao embate, Pernambuco feriu agentes com uma faca e chegou a jogar um policial ao mar. Ele foi brutalmente espancado e baleado 17 vezes antes de ser preso.
A imprensa da época retratou José Leandro como uma ameaça à ordem social, reforçando estereótipos raciais negativos. Apesar disso, sua condenação a 30 anos de prisão gerou forte mobilização dos movimentos sociais. Três anos depois, o Supremo Tribunal Federal concedeu habeas corpus a Pernambuco, levando a um novo julgamento no qual ele foi absolvido em 1924.
O impacto em Ho Chi Minh
Embora não haja registros de um encontro direto entre Ho Chi Minh e José Leandro, o líder vietnamita acompanhou a mobilização em torno do caso. Durante sua estadia no Brasil, provavelmente em 1912, Ho Chi Minh trabalhava como ajudante de cozinha em um navio francês e acabou permanecendo no Rio de Janeiro por três meses devido a uma doença. Nesse período, viveu em Santa Teresa e trabalhou em um restaurante na Lapa.
A história de Pernambuco chegou a Ho Chi Minh por meio de Astrojildo Pereira, fundador do Partido Comunista Brasileiro, com quem se encontrou anos depois, na União Soviética. Impressionado com a luta do sindicalista brasileiro, Ho Chi Minh escreveu Solidariedade de Classes, destacando a fraternidade entre trabalhadores e denunciando o racismo:
“Apesar da multiplicidade de cores, existem apenas duas raças no universo: a dos exploradores e a dos explorados. E há apenas uma verdadeira fraternidade: a fraternidade proletária”, escreveu Ho Chi Minh.
Legado e memória
A passagem de Ho Chi Minh pelo Brasil moldou sua visão política, influenciando sua atuação futura. O historiador Pierre Brocheux aponta que as viagens do líder vietnamita lhe deram uma perspectiva ampla das lutas sociais ao redor do mundo, tornando-o um pragmático defensor do socialismo.
Hoje, a história de José Leandro da Silva permanece pouco conhecida no Brasil. No entanto, iniciativas como o projeto Negro Muro, liderado por Pedro Rajão, buscam resgatar sua memória com intervenções artísticas no Rio de Janeiro. A ideia é homenageá-lo com um mural próximo aos Arcos da Lapa, onde ele e Ho Chi Minh possivelmente circularam.
A conexão entre Pernambuco e Ho Chi Minh mostra como a luta por justiça social transcende fronteiras e como figuras esquecidas podem influenciar movimentos globais.